sexta-feira, dezembro 09, 2005

[ao thomas]

O poema

O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê

O poema alguém o dirá
Às searas

Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar com o passar do vento

O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento

No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas

(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)

Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas

E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo


in Livro Sexto, Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, novembro 16, 2005

uscriptus

tive uma vontade fortíssima de deixar aqui o meu melhor texto. um texto assim crescente. crescente. oportuno. claríssimo e destrutivamente construtivo. um texto sulfúrico que atacasse o tema bem pelas suas fundações e depois lhe agarrasse as vértebras torcendo-as e dando-lhes uma nova configuração.
tinha o texto acabadinho de aprontar.
tive esta vontade fortíssima de deixar aqui o meu melhor texto.
achei melhor promovê-lo a outro estado vivente e em ebulição extrema torná-lo gasoso. era um texto bom demais para deixar à consideração de um espaço tão imenso tão anónimo tão plagiador tão. tão. e tão claramente inerte.
o da vossa leitura.

e.e.

quarta-feira, outubro 26, 2005

William Kentridge Museu do Chiado

7 Outubro - 31 Dezembro 2005


A exposição de William Kentridge patente no Museu do Chiado em Lisboa coloca ao observador questões interessantes do processo criativo. Instiga-o. Ao filmar e refilmar o desenvolvimento da sua actividade envolvendo desenho e relação com as coisas e os objectos que produzem ou suportam o seu fazer, devolve-nos uma tradição em crescente esquecimento - a narrativa do desenho. Assim, com pequenos filmes bastante elucidatórios, remete-nos para um imaginário muito próprio onde volteiam o significado da imagem e a (des)materialização do desenho. A encenação da matéria é, neste trabalho, uma das peças mais intensas e exploradas. O elemento fantástico contido no seu processo e a trama de uma história evidenciam que o caminho a seguir não tem de ser forçosamente o de uma desumanização da arte e da morte da figuração. Se não, contemplem:

www.museudochiado-ipmuseus.pt/

www.gregkucera.com/kentridge.htm

quinta-feira, outubro 20, 2005

romantismo

de certa forma a teoria fractal não poderia existir sem os românticos alemães. a origem. a tão perseguida origem. a ideia de todo o discurso ser por sucessão discurso do discurso. de todo o pensamento ser pensamento do pensamento. esta ideia que se quer próxima do núcleo mas que se distancia cada vez mais só nos pode levar a concluir que o pensamento é conscientemente fractal a partir do romantismo. finais do século 18. a reflexão fractal estava assim inaugurada.

e.e.

segunda-feira, outubro 10, 2005

sugestões


doc lisboa: 15 a 23 outubro 2005 culturgest
www.doclisboa.org

6ª festa do cinema francês: 6 a 16 outubro 2005 instituto franco-português e forum lisboa
www.festadocinemafrances.com/

segunda-feira, outubro 03, 2005

12



há uma telha quebrada
em cada telhado
encontrada a telha
é por lá que se descobre
a careca funda
obstáculo igual
na escadaria-vertigem




Álvaro Seiça Neves

quarta-feira, setembro 28, 2005

TEORIA DAS CORES

Era uma vez um pintor que tinha um aquário com um peixe vermelho. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor vermelha até que principiou a tornar-se negro a partir de dentro, um nó preto atrás da cor encarnada. O nó desenvolvia-se alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário o pintor assistia surpreendido ao aparecimento do novo peixe.
O problema do artista era que, obrigado a interromper o quadro onde estava a chegar o vermelho do peixe, não sabia que fazer da cor preta que ele agora lhe ensinava. Os elementos do problema constituíam-se na observação dos factos e punham-se por esta ordem: peixe, vermelho, pintor - sendo o vermelho o nexo entre o peixe e o quadro através do pintor. O preto formava a ínsidia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar sobre as razões da mudança exactamente quando assentava na sua fidelidade, o pintor supôs que o peixe, efectuando um número de mágica, mostrava que existia apenas uma lei abrangendo tanto o mundo das coisas como o da imaginação. Era a lei da metamorfose.
Compreendida esta espécie de fidelidade, o artista pintou um peixe amarelo.

in Os Passos em Volta, Herberto Helder, Assírio e Alvim, 8ª edição, 2001, p. 22.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Companhia do Eu

Venho apresentar-vos a Companhia do Eu, um novo espaço pelo qual sou
responsável. A Companhia do Eu é um centro de cursos de criatividade e
cultura, oferecendo:
- cursos de escrita criativa e escrita de autobiografia
- cursos de pintura
- cursos de criatividade e cultura para crianças
- cursos de cultura (cursos básicos, breves mas concisos) sobre os mais
diversos temas: História de Lisboa, Islão - História e Cultura, Poesia Portuguesa do Século XX, Vinhos...
- cursos breves sobre um poeta, acompanhados por um especialista: José
Régio, Vitorino Nemésio...

Está tudo no site www.companhiadoeu.com


Grato, com um abraço,

Pedro Sena-Lino

domingo, setembro 25, 2005

TAHAR BEN JELLOUN INSTITUTO FRANCO-PORTUGUÊS

29 de SETEMBRO 2005 às 18h30


TAHAR BEN JELLOUN, autor marroquino de expressão francesa nascido em Fez em 1944, Prémio Goncourt 1987, é autor, entre outros, de O Albergue dos Pobres, Uma Ofuscante Ausência de Luz, Arzila / Estação de Espuma, O Menino de Areia ou O Racismo explicado aos Jovens (galardoado com o 'Prémio da Tolerância Universal' pelo grupo dos Amigos das Nações Unidas, uma organização não governamental que se propõe dar a conhecer os princípios e valores da ONU).
O escritor e psicólogo vem a Portugal para apresentar os seus livros, Amores Feiticeiros e Escrivão Público com a chancela da editora Cavalo de Ferro e estará no Instituto Franco-Português no dia 29 de Setembro às 18h30 para um encontro com o público.

www.ifp-lisboa.com

sexta-feira, setembro 23, 2005

Ainda sobre a Biblioteca...

"A biblioteca não é um sarcófago, é um repositório de ciência viva"

_ 1918 Raúl Proença


Stormy Angel

quinta-feira, setembro 22, 2005

A Biblioteca

"(...) um dos mal-entendidos que dominam a noção de biblioteca é o facto de se pensar que se vai à biblioteca pedir um livro cujo título se conhece. Na verdade acontece muitas vezes ir-se à biblioteca porque se quer um livro cujo título se conhece, mas a principal função da biblioteca, pelo menos a função da biblioteca da minha casa ou da de qualquer amigo que possamos ir visitar, é de descobrir livros de cuja existência não se suspeitava e que, todavia, se revelam extremamente importantes para nós."

in A Biblioteca, Umberto Eco, trad. Maria L. Rodrigues de Freitas, Difel, 5ª ed., 2002.

segunda-feira, setembro 19, 2005

tribalismo

O arquitecto Fernando Távora morreu. Como sempre, foi-se o corpo mas ficou o legado. No passado dia 10 de setembro, sábado, o jornal Público incluiu no suplemento mil folhas um artigo do arq. Alves Costa recordando o falecido colega e amigo. No meio das palavras já gastas dos capitães-arquitectos deste país, aparecia uma fotografia reunindo F. Távora, A. Costa e A. Siza. Recordei alguns pensamentos que tivera no passado, assim que abandonei o curso de Arquitectura da Faculdade do Porto. Observando a imagem, podemos reparar no tribalismo atemporal que percorre o ser humano, desde os primórdios até à actualidade. Ali se encontram os três, de calça clara, sapato sóbrio mas despreocupado, camisa não muito folclórica (não convém a um bom arquitecto armar-se de floreados e ornamentos, sobretudo se for ou seguir a tendência da Escola do Porto), posta para dentro da cinta, que a barriga quer-se crescente e as fraldas de outrora olvidáveis, e os pobres dos óculos, sempre contidos, à beira da queda livre, numa artimanha bastante prática, volteando o pescoço, digna de um bom projectista! Ora... será necessário todo este fenómeno de pequenas identidades e polimentos de imagem para se pertencer a algo? Será necessário clonarmos um ideal repetido (mesmo que negando do auge da nossa maturidade intelectual o evidente), acusarmos esse tribalismo pequenino tão milenar (longínquo mas ao mesmo tempo mais próximo do que nunca) e mesmo assim ladrar por essas avenidas fora que se é muito independente e arquitecto e intelectual e que não se faz parte, mas a sério! acreditem! que não se faz parte de nenhum grupo, qualquer que ele seja, porque, olhem para mim, eu sou independente e o meio não me afecta! (?)
Tudo isto para transmitir que só de olhar para aquela simples fotografia de confraternização fiquei enjoado durante um bom pedaço.
Não mudamos! Espantem-se os néscios, pois o tribalismo continua e bem presente.

Álvaro Seiça Neves

quarta-feira, agosto 31, 2005

quarta-feira, julho 13, 2005

tradição

para pablo a arena tem sido o fulgor da estética e da beleza. o embaraço dignificante do animal perante o toureiro. para pablo a arena é cromatismo a vibrar. linhas curvas de sedução. um kitsch soberbo. para pablo as touradas são a mais alta manifestação do domínio racional. da casta superior. se não fossem os toureiros há muito que a espécie touro estaria diminuída. ou mesmo extinta. se não fossem os toureiros e os amigos das touradas. se não fossem. ai se não fossem. todo este ritual sublime perder-se-ia para sempre. e para pablo a tradição pesa mais do que tudo. a tradição deve-se manter. repete incessantemente pablo. a tradição deve-se manter. transformada ou não. mas tradição. para pablo a arena é a convergência dos sentidos e do rejubilar humano. para pablo a arena é o olimpo terreno. ali se faz e ali se decide. o sacrifício impera na senda do belo. isso sim. isso é beleza. para pablo o touro é o pólo masculino. para pablo o toureiro é o feminino. e depois nisto tudo. pólo masculino e feminino. naquela dança dionisíaca. depois disto. ai que linda cena de amor carnal mas também espiritual não fazem os dois. é lindo. lindo lindo lindo.
pablo pensava tudo isto até ontem. ontem a terra foi invadida por uma entidade desconhecida. assim como tantos outros. assim. pablo foi deportado para uma gigante arena. à entrada espumava e vacilava de ansiedade. todo ele transpirava dúvida. a certeza das certezas já se esfumara. pablo questionou a entidade. a entidade comunicou-lhe: a tradição deve-se manter.

e.e.

segunda-feira, julho 11, 2005

Safo: novo poema 2600 anos depois

"[You for] the fragrant-blossomed Muses’ lovely gifts
[be zealous,] girls, [and the] clear melodious lyre:

[but my once tender] body old age now
[has seized;] my hair’s turned [white] instead of dark;

my heart’s grown heavy, my knees will not support me,
that once on a time were fleet for the dance as fawns.

This state I oft bemoan; but what’s to do?
Not to grow old, being human, there’s no way.

Tithonus once, the tale was, rose-armed Dawn,
love-smitten, carried off to the world’s end,

handsome and young then, yet in time grey age
o’ertook him, husband of immortal wife."

Safo

(poema restaurado e traduzido por Martin West)

Da poetisa, musa da antiguidade clássica e não só, como ainda se pode ver e ler, conhecem-se três poemas completos, vários aforismos e centenas de fragmentos. Agora, 2600 anos depois, foi encontrado um novo poema sobre a passagem do tempo, o envelhecimento do ser humano, o amor, ...

fica a sugestão dos artigos correspondentes:

The Times Literary Supplement:
http://poetry.about.com/gi/dynamic/offsite.htm?site=http://www.the%2Dtls.co.uk/this%5Fweek/story.aspx%3Fstory%5Fid=2111206

The Guardian:
http://books.guardian.co.uk/news/articles/0%2C6109%2C1513491%2C00.html

quinta-feira, julho 07, 2005

Encerramento do Ballet Gulbenkian por Daniel Tércio

Reencaminho os leitores caputianos, ou os vulgos passageiros, para o blog:

www.nudescendoescadas.blogspot.com

onde podem ler o artigo de Daniel Tércio sobre o encerramento do Ballet Gulbenkian.

Dois dias depois, penso que vale a pena perceber um pouco melhor esta abrupta decisão.

álvaro

terça-feira, julho 05, 2005

Pensamento Probabilístico Existencial

As probabilidades desempenham um papel de relevo nas tomadas de decisões que empreendemos no dia-a-dia. É Dezembro, estou no Porto, o dia amanheceu com nuvens e a temperatura é amena? Será melhor levar o guarda-chuva, pois há grande probabilidade de vir a chover. Tanto nos pequenos como nos grandes dilemas, a avaliação matemática do número de casos favoráveis a uma ocorrência versus o número total de casos possíveis é feita de um modo quase automático. É uma forma de pensar que, regra geral, é considerada válida e demonstra sensatez.
Há contudo algo que se contrapõe a esta regra, e que não me deixa em paz. Qual era, em boa verdade, a probabilidade de os meus pais me terem concebido? É algo que está dependente da probabilidade de eles se terem conhecido, de terem iniciado uma relação amorosa e de terem copulado, com a consequente união arbitrária de um gâmeta feminino e um gâmeta masculino, que me geraram e permitiram que eu nascesse. Grandes incertezas, estas que rodeiam a minha existência!
Sejamos ainda mais exaustivos: qual a probabilidade de os meus pais terem sequer nascido? Também eles foram fruto de um capricho de acaso e coincidência que engloba os seus pais, os pais dos seus pais, e por aí fora. Tudo isto misturado com múltiplas influências externas que modificam o rumo que parece mais provável: guerra, doenças, regimes políticos, catástrofes naturais e tudo o que se possa incluir na relação de interacção que os indivíduos têm com o meio. Se quisermos tornar as coisas ainda mais interessantes podemos recuar até à formação das primeiras formas de vida que se desenvolveram na sopa primitiva, que em si mesma já foi um caso espantoso, no sentido em que tiveram de se criar condições muito peculiares para a sua ocorrência.
Todo este conjunto de factores, que aparentam ser arbitrários, influenciou o meu nascimento. Assim, verificamos que num sentido temporal amplo e universal a probabilidade da existência de cada um de nós é um valor que tende para zero, um número infinitamente pequeno. Mas estamos aqui.
Não seremos a prova de que as probabilidades não são assim tão fiáveis, e que o mais improvável pode acabar por acontecer se lhe dermos o devido tempo?

Cristóvão Figueiredo

terça-feira, junho 21, 2005

mapa

ali dentro do barco. ali. o danúbio nas nossas barbatanas. o danúbio imenso e nós de mapa aberto sobre as águas. ali o mundo parecia inevitável. o mundo parecia aberto à viagem. navegadores ancestrais ventaram-se pelo corpo aberto.
o destino. por mais longínquo que fosse. vinha logo ao virar da serra.

e.e.

domingo, junho 19, 2005

Quixote

Em 1605, Miguel de Cervantes publicava D. Quixote de La Mancha. 400 anos depois, os filmes que adaptaram a colossal obra tendem a petrificar a viagem dos dois companheiros - Quixote e Sancho, o espiritual e o material.
Não está na hora de reciclar e reciclar bem? De recuperar Borges, homenageando a sua reconstrução da ficção?

a

quarta-feira, junho 15, 2005

Sobre Flancos e Barcos

Havia ainda outro jardim o da minha vida
exíguo é certo mas o do meu olhar
são talvez dois pássaros que se amam
um sobre o outro ou dois cães de pé
é sempre a mesma inquietação

este delírio branco ou o rumor
da chuva sobre flancos e barcos
o inverno vai chegar
sobre a palha ainda quente a mão
uma doçura de abelha muito jovem

era o sopro distante das manhãs sobre o mar
e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração
é o silêncio é por fim o silêncio
vai desabar

in Véspera de Água, Eugénio de Andrade


acerca de Eugénio:
www.instituto-camoes.pt/escritores/eugenio.htm
notícias na imprensa:
www.publico.clix.pt/shownews.asp?id=1225710&idCanal=36

terça-feira, junho 14, 2005

passagens para outro lado


«Recebi uma carta. Dizia qualquer coisa como isto:
"Você já tem muita idade, e dentro em pouco comparecerá perante Deus que o
julgará. E se não se arrepender está condenado às penas eternas."
O que é que eu podia fazer? Escrevi uma carta a agradecer a preocupação.»

Álvaro Cunhal, DNA, Outubro de 1997



A MÁRIO BOTAS, COM UNS CRAVOS BRANCOS

Já estiveras na morte muita vez
e sempre regressaras. Para a conheceres
bastava-te afinal ser português,
a morte é o nosso aprendizado.
Agora lá ficaste: o outono foi duro.
Não cheguei a dizer-te como
tu e eu sobrávamos na festa.
Tu já partiste, eu não tardarei.
Aos corvos deixemos o que resta.

Eugénio de Andrade, 1983

(email enviado por Felipa Preto Ramos)

quinta-feira, junho 09, 2005

feiras do livro

andam por aí, em local específico, as feiras do livro

lisboa: www.feiradolivrodelisboa.pt/

porto: www.feiradolivrodoporto.pt/

lisboa, hoje às 22h: wordsong - poesia de al berto e fernando pessoa

quarta-feira, junho 01, 2005

Orquestra Sinfónica Juvenil concerto na Culturgest

Fundada em 1973, a Orquestra Sinfónica Juvenil (OSJ) assume-se, hoje, como uma instituição fundamental no nosso panorama músico-pedagógico. Nestes 32 anos de existência, a OSJ viu passar pelos seus quadros muitos dos actuais instrumentistas das nossas orquestras, estendeu a sua acção em favor da cultura musical a todo o país, incentivou e deu a conhecer ao público muitos jovens solistas. Em permanente renovação, o seu repertório é bastante vasto - foram preparadas mais de 500 obras abrangendo os séculos XVIII, XIX e XX. Para além dos Maestros-Titulares (Alberto Nunes de 1973-83) e Christopher Bochmann (desde 1984) foi dirigida por Francisco d'Orey, Jorge Matta, António Saiote, Roberto Perez, Georges Adjinikos, José Palau, Andrew Swinerton, Vasco Azevedo e Julius Michalsky. A OSJ desenvolve as suas actividades com o apoio, fundamentalmente, do Ministério da Cultura, Instituto Português da Juventude, e Radiodifusão Portuguesa.

concertos: 8 e 9 de Junho, 21h30


www.culturgest.pt/actual/osj.html

terça-feira, maio 31, 2005

Helmar Lerski Metamorfoses pela Luz

Culturgest LisboaPhoto 2005

Helmar Lerski (1871 - 1956), cujo trabalho se movimentou pela fotografia e o cinema, é um dos autores mais fascinantes das vanguardas artísticas das décadas de 20 e 30, em particular pelo modo como construiu uma das mais obsessivas e perturbantes representações do rosto humano. Menos conhecido do que Man Ray ou Moholy-Nagy, a sua obra fotográfica tem vindo a ser reconhecida, nas leituras mais recentes da arte do século XX, como referência central no quadro da história de um dos géneros mais glosados na fotografia: o retrato. Comissariada por Ute Eskildsen, produzida pelo Museu Folkwang de Essen, na Alemanha, e apresentada agora no quadro da LisboaPhoto 2005, a exposição traz até nós a série mais emblemática de Lerski (Metamorphosen des Gesichts/ Metamorfoses pela Luz), cerca de 120 provas vintage, acompanhadas de pequenos objectos, que correspondem a um amplo estudo em torno de um mesmo rosto, representado em close up e submetido a variações minimalistas a partir do jogo da luz e da sombra.

www.culturgest.pt/actual/helmar_lerski.html

www.lisboaphoto.pt/

quarta-feira, maio 25, 2005

Ariel: The Restored Edition by Sylvia Plath

Ariel is Sylvia Plath’s last book. Most of the poems were written in a manic burst during a period of grief and rage over her impending divorce from British poet Ted Hughes, who ran off with another woman, leaving her with two babies. She had tried suicide at nineteen and failed; after completing the Ariel poems at thirty, she succeeded. Hughes sent the Ariel manuscript off to be published, leaving out some poems she had included and adding new ones she wrote in her last days. Much controversy ensued: he was accused of everything from censorship to murder. This new facsmile edition of Ariel sets the record straight by giving us the poems as Plath left them in the manuscript, along with her typewritten drafts and handwritten corrections. Frieda Hughes, the daughter of the two poets, writes a Foreword to the edition, defending her father’s actions regarding Plath’s legacy and describing the difficulties the family has endured as a result of Plath’s canonization and Hughes’ demonization.

Frieda references Plath’s well-known fits of temper, several of which resulted in her burning her husband’s work. She also notes that Ted Hughes was a frequent target of fury in the poems. Plath was apparently a manic-depressive, swinging from ecstasy and rage to black depression, accordingly representing herself as an apotheosized victim of powerful, fascist-booted men, or an avenging Medea warning us against her superhuman powers: "Beware. Out of the ash/I rise with my red hair/And I eat men like air."

Plath pushes all aspects of her life to manic extremes: it is not enough that she herself should be larger than life, the other characters in her drama must also have mythic proportions. In the early days of her relationship with Hughes she wrote: "We make love like giants." Some readers, but not all, buy into Plath’s operatic depictions, taking them for reality. Her fans have gone so far as to erase the surname "Hughes" from her gravestone. Despite Frieda Hughes’ assertions that her parents’ marriage was companionable and quiet, Sylvia Plath had to be hell to live with.
(...)

ler o restante ensaio: http://contemporarylit.about.com/od/poetry/fr/arielRestored.htm

Diana Manister

sexta-feira, maio 20, 2005

Um Museu de Arte Contemporânea em Lisboa para a colecção de Joe Berardo

Uma das melhores colecções da época está fechada longe do público no acervo do Centro Cultural de Belém. Os cidadãos de Lisboa, de Portugal e do Mundo exigem que o Estado Português e a Câmara Municipal de Lisboa assumam as suas responsabilidades em relação ao património que com grande generosidade Joe Berardo propôs a Portugal.

assinar petição:www.petitiononline.com/ummuseu/petition.html

quarta-feira, maio 18, 2005

E tudo era possível

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo

in Homem de Palavra[s], Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5ª ed.)

quarta-feira, maio 11, 2005

[poema perdido em 1993]

(para assobiar e. e. cummings)


vamos embebedar-nos e fugir para o teu corpo
na primavera mentem-se os invernos no eterno verão

levo a adolescência que perdemos dentro à tua boca
vamos subir as árvores um do outro e
meter todos os invernos no corpo eterno verão

vamos absolutos para o nu de Deus
trago nos bolsos tempo para nenhum nós
e vinte mil adiadas erecções

vamos rasgar ruas onde havia mãos
e esconder outonos no fundo das pernas
caber o segredo que não sabemos nós
a natureza segunda das folhas
e o nome nu de todas as estações

vamos soltar cobras onde havia medo
e matar os dias só duas palavras

mas agora vamos bebermo-nos de ti
e fugir para corpo bem fora de nós


Pedro Sena-Lino

(inédito em livro, Abril de 2004)

terça-feira, maio 10, 2005

se quiser que eu coma...

Se quiser que eu coma
os seus animais de estimação,
os seus pardos pombos-correio,
eu como-os
não há problema.



dióspiro

Depois do almoço
quando arrastamos a cadeira
um pouco para trás,
uma sonolência morna entrelaçada de luz
entra pela janela
ludibria as cortinas
e difusa poisa no vinho.
É nessa altura que dizemos:
vou comer este dióspiro
antes que apodreça.


Daniel Maia-Pinto Rodrigues

in O Valete do Sétimo Naipe, Corpos Editora, reedição, 2005.

sábado, maio 07, 2005

primavera

as gramíneas sexo a fervilhar
polinização sim referendo não

aseiçaneves

sexta-feira, maio 06, 2005

Casa da Música Porto

Sábado . 14 Maio 2005
23:59, Sala 2
Roy Ayers . Funkateers

Um dos mais visíveis e premiados vibrafonistas de jazz, Roy Ayers é tido como um dos profetas do acid jazz, décadas à frente do seu tempo. Há mais de 40 anos ligado ao jazz, Ayers começou a dar nas vistas no início dos anos 70 com temas como «Move to Groove» e «Everybody Loves the Sunshine».

Ícone da comunidade hip-hop, Roy Ayers contribuiu para a implementação do R&B e do jazz/rock. Recentemente editados numa antologia, os álbuns de Ayers exprimem bem a sua capacidade e abrangência.

www.casadamusica.com

quinta-feira, maio 05, 2005

Joyosa

Culturgest - Lisboa - 13 Maio. 21h30

Um guitarrista húngaro, um trompetista alemão, um contrabaixista norueguês e um baterista suíço, juntaram-se num projecto que cruza as fronteiras do jazz, da música clássica, da "música do mundo", da bossa nova, numa fusão dos sons de hoje, com uma enorme elegância, cheia de alegria e de vibrante vitalidade.

Trompete Markus Stockhausen
Guitarra acústica Ferenc Snétberger
Contrabaixo Arild Andersen
Bateria Samuel Rohrer

www.culturgest.pt/actual/joyosa.html

quarta-feira, maio 04, 2005

Xana

Arte Opaca e outros Fantasmas

Culturgest - Lisboa - 20 de Abril a 19 de Junho


Mostra antológica da obra que Xana realizou a partir de 1987, ano em que começam a ter uma crescente importância na sua carreira as intervenções efémeras em espaços públicos e as instalações de grande dimensão, que culminaram nas esculturas da Alameda da Cidade Universitária (1991) ou em Lar Doce Lar na colectiva Depois de Amanhã (1994), e tiveram depois sequência em obras permanentes para espaços urbanos. Nesta exposição são apresentadas obras marcantes do desenvolvimento de um tipo original de pintura-escultura, em peças de parede ou de chão, de formatos irregulares e de grande inventividade formal, onde Xana afirma uma linguagem plástica de vibrante cromatismo e de estruturas tendencialmente padronizadas, em que convivem, por derivação ou contaminação, as formas abstractas e as sugestões figurativas com as apropriações dos objectos de consumo corrente. Arte opaca e outros fantasmas reúne, em novas condições de visibilidade, cerca de uma centena de trabalhos, incluindo peças que foram inicialmente mostradas em espaços transformados pelo artista e outras obras pouco conhecidas ou inéditas. Revela um percurso que, sem conhecer profundas rupturas, tem explorado sempre novas direcções de trabalho com um entendimento utópico da criatividade como capacidade de afirmar um espaço (inútil?) para o prazer e o belo, que, como afirma o artista, talvez ainda seja capaz de transformar o mundo. Uma “arte opaca” onde não há conteúdos para ler, nenhuma representação ou história, em que tudo se joga na eficácia da sua imediata presença pictural e na alegria e no humor de uma invenção radicalmente retiniana. Uma poética de felicidade como objectivo da arte, de que Matisse é uma das grandes referências, explorada também em novas tecnologias como as recentes projecções de pinturas digitais em suporte vídeo, apresentadas em estreia.

www.culturgest.pt/actual/xana.html

terça-feira, maio 03, 2005

Inside out

João Luís Carrilho da Graça, arquitecto

Philippe Reliquet, Director do Instituto Franco-Português tem o prazer de vos convidar para a conferência “Inside out” com João Luís Carrilho da Graça, em conversa com o arquitecto francês Jean Philippe Vassal no dia 4 de Maio às 18h30 no Instituto Franco-Português.
Segunda conferência do ciclo A Arquitectura Hoje.

Instituto Franco-Português
Av. Luís Bívar, 91 - 1050-143 Lisboa
Tel.: 21 311 14 00

Exposição "Inside out" - projectos e obras fora de Portugal de João Luís Carrilho da Graça no Instituto Franco-Português de 4 a 28 de Maio entre as 09h00 e as 21h00

www.ifp-lisboa.com

segunda-feira, maio 02, 2005

MEIA DÉCADA DA EDITORA CORPOS

PROGRAMAÇÃO

Data: 7 de Maio de 2005
Hora: 14h00 – 02h00
Local: Parke, Francelos, Vila Nova de Gaia (Rua Dr. Pedro Vitorino 148)


PROGRAMAÇÃO DETALHADA:

14H00: - Actuação musical de “Hugo Moss” (Palco)

15H00: - Actuação da Banda “The Jills” (Palco)
- Inauguração de Exposição de Pintura de Ana Pina(Tenda)

16H00: - Música e Poemas Sintomáticos de António Pinheiro (Palco)
- Performance Poética de Miguel Oliveira e Rita Cunha(Tenda)

16H30: - Lançamento do Livro de “Vislumbro de um sussurro breve”
Maximina Girão (Sala)

17H00: - Actuação da Banda “Human Cycle” (Palco)

17H30: - Lançamento da 2ª edição do livro “O Valete do Sétimo Naipe“ de Daniel Maia-Pinto Rodrigues (Sala)

18H00: - Actuação dos “Deep” (Palco)

19H00: - “Expurgaçõo” Performance Poética de Aires Ferreira (Palco)

19H30: - Actuação dos “deubreka” (Dj Mr. Mute e VJ Zekan) (Palco)

21H30: - Performance Poética de Maria Beatriz (com participação de Actores e Actrizes do TUP: Mariana Nina, Diana Enes, Inês Gregório, Isabel Fragoso, Gonçalo Lourenço e actividades circences) (Palco)
- Inauguração do Poesia Fã Clube (Sala)

22H30: - Performance Audio Visual por Paulo Cruz (Palco)
- Inicio das Brotherhood Sessions (com os DJ´s Pedro Killer e Hugo Guimarães) (Palco)
- Lançamento do Livro “Estrelas (de)Cadentes” de Cátia Rodrigues (Sala)
- Lançamento do Livro “Lágrimas do Douro” de Sandra Cristina Costa (Sala)
- Lançamento do Livro “Viagens num mundo imperfeito “ de Raquel Queirós (Sala)
- Lançamento dos Singles de literatura (Vários autores)(Tenda)

23H30: - Lançamento do CD “à boca do amor” de Ex-Ricardo dePinho
Teixeira e Ironic Salazar (Palco)

01H00: - Cemitério das Memórias (Convite a todos artistas da editora e extra editora para trazerem um poema, uma pintura, uma fotografia, uma música ou qualquer forma de arte. A cápsula do tempo será aberta daqui a 5 anos, quando a Corposeditora fizer uma década de existência)

02H00: - Encerramento


Atenciosamente:

Ex-Ricardo dePinho Teixeira (editor) 93 33 33 283
Adriana Pereira (editora) 93 62 68 276

www.corposeditora.tk
Ler Devagar. Lisboa

3 de Maio, 3ª feira às 19.30h

DEBATE:

CICLO "CONVERSAS DE PRIMAVERA"

Que Lisboa Queremos? Dinámicas Sócio-Urbanísticas e Desafios para o Futuro
Com: Helena Roseta, João Seixas e Pedro Costa

Organização: Dinámia

www.lerdevagar.com

sexta-feira, abril 29, 2005

Paul Auster

Encontro com Paul Auster, conversas e coisas que tais, hoje, na Culturgest pelas 21.30 ou amanhã, pela mesma hora, na Fnac do Chiado, em Lisboa.

Jovem, contamos contigo! Se tens mais de 18 anos e o 10º ano de escolaridade, não percas a oportunidade de contactar com uma figura incontornável das montras e escaparates universais.

vai já a www.culturgest.pt/actual/paul_auster.html

quinta-feira, abril 28, 2005

infância

escavar escavar
uma cartografia perdida
e ficar apenas com um rio bem turvo na mão


sentido

compreender a origem falsa
destes círculos concêntricos e infinitos
que chapinham a vida


[aseiçaneves]

quarta-feira, abril 27, 2005

depuração

resistir. resistir. tens que resistir à incineração dos teus textos. agora desaparecido o caderno inteiro. agora fugida a lupa da palavra. agora aguenta-te. tens memória e terás memória. pensa antes em actuar. actuar. não fiques aí a esmurrar a testa no orvalho e no muro reduzido. resistir. resistir. sei. sei. sei que a tua identidade se evaporou em parte com essa perda. a perda. a perda. sempre a perda. mas resiste. resiste. tens que resistir à criação e depois à destruição. sei sei. sei que foram milhares de palavras combinadas de forma inovadora. única. roubadas pelo vento. sei. sei que a combustão foi mais forte. mas tens de resistir. resistir a tudo. mesmo quando te arrancarem os dedos. a língua. e os braços. quando te arrancarem quase tudo já pouco te restará. mas terás ainda a memória. e sabes que a memória é depuração. depuração.
cada vez mais perto da brevidade. limando-se ao máxima. limando-se força. resta-te pouco. sei. sei. resta-te a rescrita. resta-te a rescrita. e aí. e aí há possibilidade total. total. pensa antes assim. depuração. depuração.
ca vez mais per da da. ma má. ma for. res pou. sei. sei. res a cri. res a cri. e aí. e aí da tal. tal. pen an ssim. ão. ão.
sei. sei. sei que te dói corrosiva essa perda. sei. deixa corroer. deixa. mas por favor não pares de depurar. depuração. depuração.
sei. sei. sei que te dói si e per. sei. dei er. dei. mas por vor não pa de rar. ão. ão.

e.e.

terça-feira, abril 26, 2005

I Ching, o Livro das Mutações

Entre as edições em português do I Ching, existe uma da editora Pensamento, de São Paulo, que inclui o prefácio de C. G. Jung. É portanto esta que recomendaria a quem quisesse possuir um exemplar do Livro das Mutações. Em outro post, citei o referido prefácio (assinado por Jung) a propósito do conceito de sincronicidade.
A forma como o leitor utiliza o livro não é de somenos importância. Em primeiro lugar, o I Ching tem que ser encarado como uma entidade autónoma, na minha perspectiva, como uma espécie de pêndulo vibratório das configurações possíveis do universo. Neste sentido, ainda na minha perspectiva, o I Ching é uma mónada (como Leibniz a define).
O livro não deve ser interrogado em termos de sim ou não e, neste aspecto, ele está longe de ser normativo. A pergunta é uma forma de desenhar secções no universo das possibilidades e o I Ching responde, dizendo, não que se deve ir por aqui, ou por ali, mas sim fazendo notar o que significa ir por um certo caminho. Ir por um certo caminho é ganhar (se é que este termo faz sentido...) um conjunto de coisas e perder outras tantas, que ganhariamos se fossemos por outro caminho.
O I Ching é profundamente contrário à ideia de destino. Na verdade, o grande Livro das Mutações respeita inteiramente a liberdade humana.

Daniel Tércio

www.nudescendoescadas.blogspot.com

segunda-feira, abril 25, 2005

aseiçaneves

?avesso o será dois dos qual mas
avesso do tudo está. verificas então e
tua a como bem! acertaste! exacto!
balofa bem barriga uma
cima para barriga de chão no deita-se alguém esse e
galgá-la antes
padieira a seria caso teu no que
soleira a soleira a mesmo pisar pode se não
chinês tailandês templo num como
sabes? sagrada é soleira a
pois
soleira a pisa não
porta pela entra alguém que reparas e
simétrico teu do tecto o serás tu
chão
afinal
é tudo que vês tecto no e
tecto o verificas então e
)tua a como bem! acertaste! exacto!
balofa bem barriga uma
cima para barriga de chão no deitas-te
deitas-te quarto nesse e
porta uma menos
pelo com quarto um mas quarto teu o não
quarto um a
quarto um a então chegas
avesso do está tudo corres e saltas enquanto
paredes nas
avesso do vultos com enormes corredores por sais
piso neste sais: nota(

avesso

sábado, abril 23, 2005

istmo

o assunto começou num bar de jazz. era dia de cadeiras e mesas cheias. de pessoas e músicos. a sala recebera uma enxurrada de suor e cabeças. no prolongamento da bebida. da bebida. a melodia ia escorregando para dentro da garganta. do esófago. o clima transpirava-se em concentração. intensa. o piano esbracejava melancolia alternada em violentas notas. tons. claves. os dedos do contrabaixista gemiam nas cordas do instrumento tornado corpo. tornado prótese. tornado mais tarde. mais tarde improvisação. mais tarde amante. amante. a quem se toca. a quem se deixa tocar. amantes dançando. osmose rara. momentânea. e as mãos. aranhas que deslizam música perfurada. e dedilha-se. dedilha-se sexo e magnetismo música perfurada. e os indicadores iniciam a sua viagem de cisnes. e a bateria cavalga em energia espantada. espasmos. espasmos em uníssono. e o ambiente cada vez mais pesado exigindo ar. oxigénio que aqui respira-se. mas o oxigénio já foi todo consumido pela música diabólica. e os cigarros contorcendo-se pela sala também. e o fumo condensando os olhos. o fumo apertando as lágrimas. os olhos a tentarem humedecer. e os olhos não conseguindo. os olhos secos. pesados. o fumo pesado. e as pessoas pesadas. e a música a deslizar gargantas esófagos estômagos apertando a traqueia. e ouve-se. o final. toada trovejando prisão exterior. a liberdade. qual nota desprendendo-se como um istmo único. e a música. a música. uma recta por definição infinita.

e.e.

sexta-feira, abril 22, 2005

labirintório

a fausto apetece desistir. isso já não é de agora apetecer desistir. morrer, por exemplo. o mais difícil é resistir à raiva. e encontrar forças nas partes que estão partidas.
como encontrar a força numa fractura? num osso fissurado? como conseguir reunir os ossos espalhados pelo chão e disso fazer um esqueleto mais forte e mais eficaz?
é difícil erguer as mãos contra o dia, em luta corpo a corpo com a vida, quando as noites são tão vividas dentro dos sonhos. é a vida que está errada, não os sonhos. fausto sonho cada vez mais, com a cabeça toda, com toda a energia da imaginação e todo o poder da lógica. sonha tanto que quando acorda olha para o dia e pensa "estou estafado disto tudo" e "não me apetece fazer nada".
e depois vai para o labirintório. e fica entretido a misturar elementos, a mexer em godés e em aparelhos de medição. fica a misturar elementos sem razão nem objectivo apenas para ver as cores diluirem-se umas nas outras. no seu labirintório interessa-se particularmente pela passagem do ferro à ferrugem. usa para isso de um diluente chamado tempo. um diluente aparentemente fraco mas que é capaz de destruir mais a fundo que o ácido sulfúrico. é um diluente que é capaz de actuar poderosamente sobre a matéria e alterar os estados do mundo.
a isso fausto chama "poesia", talvez erradamente.

Rafael Dionísio

www.rafael-dionisio.blogspot.com

quinta-feira, abril 21, 2005

uníssono

o mar o bulício o pó de água o mar tudo retumbando e as tenras nuvens intercaladas até ao horizonte e as outras batidas pelo sol mais próximas e outras ainda mais densas carregando as chumbeiras dos pescadores e um novo horizonte albino e o mar e o mar o mar furioso prenhe e árido o mar e as ondas cerrando muros violentos contra ondas e ondas em contramão e mais ondas como buganvílias alagando o areal e as ondas cinzeladas a cinza e as nuvens cinzeladas a cinza e uma faixa branca entre ambas e o vociferar poderoso do mar contra as escarpas das rochas estancadas a pique as rochas e o mar e as nuvens e as ondas e o céu maior que a visão humana e as nuvens entrando no mar e as ondas avançando luminosas praia dentro e toda a memória e mundo e toda a cinza cerebral toda a cinza cerebral e toda a hibernação derrubada na praia engolida pela água e o mar e o sol e as nuvens e as ondas e a prata opaca e as rochas cristalinas penetrando os olhos e tudo tudo a reciclar barbas antigas no mar galgado a bronze e tudo de súbito impresso na memória que um tempo permanecerá cegamente até à cova final finalmente holograma do mundo guardado uníssono

e.e.

quarta-feira, abril 20, 2005

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, proptesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse....
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, abril 18, 2005

the wavemen

www.wavemen.net




lucien zell's band @ prague





lyrics

So far, so close

I have passed through many lives
and of all the clouds that passed me by
only a puddle survives...
but the puddle reflects the skies.
A sunset is as beautiful as a sunrise.

So far, so close.

Come a little closer baby,
leave the rest of the world behind.
You don't need those plastic teachers
to polish your crystal mind.
If you're gonna follow someone,
don't follow the blind.
The truth is often friendly,
but it isn't always kind.

So far, so close.
It doesn't matter what you fake, you break, you take;
you can't know you've been sleeping until you're awake.

If you're lost in the labyrinth, take my hand.
What you love is more important than what you understand.
I used to believe in God's plan,
until I arrived at a great surprise:
God has no plan...
He prefers to improvise!

So far, so close.

Well, the face in the mirror
doesn't look much like mine;
but the grapes of wrath must be crushed
to blossom into wine...
more human is more divine!

So far, so close.
It doesn't matter what you fake, you take, you break;
you can't know you've been sleeping until you're awake.

Lucien Zell inside Wavemen
TARA PERDIDA de Eduardo F.M.
Teatro Taborda - Lisboa - 31 de Março a 8 de Maio

www.egeac.pt/taborda

EDUARDO F.M.

Nasceu em 1949, vive e trabalha em Lisboa. Escola primária em Manteigas, sua terra natal. No final dos anos 70, em Lisboa, conclui, em horário pos-laboral, o 1º e 2º ciclos do antigo curso do liceu. Autocidacta na prática artística, a sua obra conta centenas de trabalhos de desenho e pintura. Expõe pela primeira vez em 1985, numa pequena mostra colectiva realizada na Galeria EMI/Valentim de Carvalho, Lisboa.

Só em Setembro de 2002, apresenta a sua primeira exposição individual, na Livraria Assírio e Alvim, Lisboa – antológica da sua produção dos últimos dez anos.


TARA PERDIDA

Um membro (perna ou braço), um tronco, uma cabeça podem funcionar isoladamente, podem querer dizer um corpo inteiro e querem certamente dizer uma força de alma qualquer que se procura reter, dominar, transformar noutra coisa. Uma cor confina com outra: um negro, um vermelho; um negro, um branco; um vermelho, um branco – e tudo o que partilham é essa fronteira onde se tocam e se cruzam, onde alternam e jogam o peso da imagem. Uma cena de confronto simétrico ou desenvolvimento rizomático (e as dimensões alongadas dos suportes são essenciais nesta discursividade em extensão e intensidade) pode querer colocar-nos no centro do mundo.
É um mundo fechado, rodando em torno de um eixo (um olhar desvia-se, o outro enfrenta-o), um mundo desdobrando-se em personagens que se mostram e se escondem, como um tecido plissado que se pode estender (explicar-se) perdendo espessura e depois reduzir-se de novo ao seu volume inicial.

João Pinharanda


A obra de Eduardo F.M. possui uma espontaneidade que a aproxima de alguns artistas exteriores ao surrealismo, mas que foram apreciados por este movimento pela importância que deram às associações insólitas entre as formas animais e as formas humanizadas.

Luísa Soares de Oliveira


www.artistasunidos.pt

domingo, abril 17, 2005

paz

ceifar os pés
bombardeá-los para uma fossa distante
e correr até os apanhar

[aseiçaneves]

caputblog@hotmail.com

quinta-feira, abril 14, 2005

Michel Foucault, choses dites, choses vues
teatro na culturgest. lisboa

um espectáculo de Jean Jourdheuil e Mark Lammert

Um dispositivo reunindo um actor, um pintor e aquilo a que se convencionou chamar encenador, eis o ponto de partida de um trabalho formal utilizando os seguintes materiais: uma voz, um corpo, uma máquina arquitectónica, uma cor. Ao que se juntou, rapidamente, uma voz musical, a da "glass-harmónica". O texto foi elaborado a partir dos ensaios, das entrevistas, das conferências reunidas em Dits et Écrits e de uma intervenção radiofónica não publicada. Michel Foucault não saberia transformar-se em cena num autor ou numa personagem de teatro. Era preciso des-teatralizar para melhor espacializar e "re-presentar", de forma necessariamente abrupta e fragmentária, os motivos do seu pensamento. "Que importa quem fala, disse alguém, que importa quem fala" disse um dia Michel Foucault, citando Beckett, numa conferência intitulada "O que é um autor?". Esta questão, assim enunciada, vale para este espectáculo. A nossa ambição ao agir assim: interromper, durante uma noite, a transformação em ícone de Michel Foucault.

Jean Jourdheuil

Teatro
22 e 23 de Abril
21h30 Grande Auditório
Duração 1h00
Falado em francês com legendas em português
15 Euros
Até 30 anos: 5 euros


Programação paralela

21 de Abril, 18h30, Pequeno Auditório

Moi, Pierre Rivière, ayant égorgé ma mère, ma soeur et mon frère...
filme de René Allio (cenógrafo, pintor, realizador) a partir de um caso estudado por M. Foucault.
Apresentação de Jean Jourdheuil. Legendas em português.

22 de Abril, 18h30, Pequeno Auditório
A escrita, o espaço e o corpo
leitura encenada de textos de M. Foucault
com Jorge Silva Melo e Manuel Wiborg (organização J. Jourdheuil)

23 de Abril, 18h30, Pequeno Auditório
Debate sobre este espectáculo e a actualidade do pensamento de Foucault
com Philippe Artières (director do Centre Foucault), José Bragança de Miranda e J. Jourdheuil.


http://www.culturgest.pt/actual/michel_foucault.html

segunda-feira, abril 11, 2005

família

como te falar dos nossos silêncios dissonantes? como te falar. como. explicar-to. explicar-me. como.
primeiro apetece-me bufar-te. bufar-te. bufar-te que me empapa esse teu cristianismo. esse teu cristianismo feliz. sedimentado. sedimentado em milénios. sabes? encharcou. encharcou-se. impregnou-se devagarinho. devagarinho. sabes? apetece-me esfolá-lo. esfacelar a pele até que tudo minguasse numa sarjeta qualquer. ser-te sincero. ser-te sincero. e para isso preciso de o eliminar. eliminar. mas há esta infusão de racionalidade a que chamo. por agora. o impossível. talvez não só por agora mas por. para. durante. sempre. a impossível tarefa de esfarelar este nosso cristianismo da minha pele.
como escrevi: foram todos esses milénios de encrostação e ainda o meu nascimento. a infância. e o dia a dia ladeado de imposições. imposições semelhantes. semelhantes à educação que me ofereceste. a educação de arquitectar uma boa cofragem de personalidade. um molde apreendido ao longo de gerações. um molde certinho cujo desejo era regurgitar uma viga sem vícios. mas já percebeste. não é? sou um animal ácido de propriedade. ácido. e tenciono permanecer assim. assim. com várias vontades e uma fixação: esfolar. esfacelar. esfarelar. este cristianismo da minha pele.

e.e.

sábado, abril 09, 2005

inércia

orgasmo andar em contra-sentido. sentir as pessoas como alfinetes enfiando-se no meu peito e na minha cara. são 19:23. as membranas dilatam-se. entro no metro. orgasmo andar em contra-sentido. numa postura física oposta. uma contra-inércia. pensar na lei de velocidades de galileu e atravancá-la de pés e de massa orgânica negativa. caminhar no sentido do movimento da carruagem sabendo que isso me vai custar muito mais. sair do cordão umbilical que transporta toda a gente e deslocar-me numa escada rolante cujos degraus se atiram contra mim e trepá-la ferozmente e gritar vou subir esta treta toda em contra-sentido vou vou vou e subir tudo com as pernas a engrenarem-se e as canelas cortando-se nas lâminas metálicas dos frios degraus e subir subir subir até que os gémeos doam e não se possa mais de tanto esforço e trincar a língua. rebentar-lhe a pele. e correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr correr
rer rer rer rer rer rer rer rer

e.e.

quarta-feira, março 23, 2005

Especulações Críticas Sobre Cinco Momentos da Música do Século XX

por António Pinho Vargas

Partindo de uma temática particular em cada um dos cinco momentos estas especulações críticas levantam hipóteses novas ou mesmo heterodoxas sobre a música do século XX.
Face às narrativas artísticas e ideológicas auto-construídas procura-se levantar alguns véus e propôr visões alternativas em relação aos discursos habituais.

António Pinho Vargas
www.antoniopinhovargas.com


Schoenberg-Stravinsky-Adorno-Webern: uma constelação psicológica complexa.
Análise das múltiplas relações entre os três compositores e o filósofo da nova música.


Culturgest
www.culturgest.pt

Conferências . 30 de Março . 18h30. Pequeno Auditório
Entrada Gratuita
Levantamento de senha de acesso, 30 minutos antes do início da sessão,
no limite dos lugares disponíveis

terça-feira, março 22, 2005

Comunicação e Poesia

por Álvaro Seiça Neves [Junho 2004]

Como nomear a fabulosa árvore sem morte sobre a qual, pássaros sonâmbulos, acordamos perpetuamente em atraso e adormecemos apressadamente em avanço?

Eduardo Lourenço in Tempo e Poesia 1.



1. Introdução

É objectivo deste ensaio proporcionar uma análise entre comunicação e poesia nos dias que correm. Estabelecer, tanto quanto possível, uma aproximação ao tema da Comunicação na sociedade actual e, posteriormente, propor a palavra poética como veículo de Comunicação supremo.

2. Comunicação

Com o advento, na última década, de uma série de novos meios de comunicação artificiais, o meio social sofreu tremendas alterações. Nasceu uma nova era, consubstanciada em produtos de grande difusão – internet, telemóvel, e outros derivados electrónicos.
De facto, a revolução electrónica que muitos escritores anteviram há mais de quarenta anos, como William S. Borroughs, Aldous Huxley, George Orwell, entre outros, chegou, em parte. A erupção de uma rede espalhada por todo o mundo e em todo o lado – a internet – possibilitou um maior e mais rápido acesso a um infindável conjunto de serviços. Especializados ou não, estes serviços constituem muito do nosso quotidiano. Não só a web mas, também, outros tipo de redes cibernéticas e malhas ópticas, corromperam, em certa medida, a forma de mediação do ser humano com os objectos em volta e consigo mesmo. Proliferam os sistemas de Multibanco, a televisão por cabo e tantas significações de conteúdo expansivo. Certo será dizer que a quantidade de informação com que nos debatemos é, sem dúvida, angustiante. Isto porque o Homem se vê cada vez mais compelido a se fragmentar em tanta vertigem de apelos, visuais e intelectuais, e, paralelamente, benéficos ou não. A quantidade de informação e alta velocidade a que fomos sujeitos não significa, contudo, qualidade. E, surpreendentemente, ou talvez não, a quantidade desqualificou o nosso habitat. Informação e comunicação, crescendo exponencialmente, significam tão-só a diminuição de si próprias. A matéria com que nos debatemos é sensível. Porém, não podemos deixar de expressar a reflexão constante a que nos obriga este fenómeno.
Vivendo numa sociedade de informação, o Homem vê-se perante a inviabilidade de escolher. Ou melhor, a liberdade aparente com que se confronta é substituída pela concreta prisão em que se vê mergulhado. Sociedade de desinformação, diríamos. Todos os meios a que tem acesso estão, desde logo, direccionados para um pré-visionamento concebido. A liberdade concedida é controlada e previamente seleccionada por um Maestro que nos mostra aquilo que Ele quer mostrar. Passa-se isto na televisão, na programação proposta aos telespectadores, nos noticiários (quando a câmara x regista o momento y em vez do momento z),... . O alcance do noticiário em directo desvirtua o olhar humano, ou antes, torna virtual um mundo tido como real. Daí para a navegação num tempo concebido totalmente em fundamentos paralelos – virtuais – resulta que se apressa o passo e se descortina o espaço relativo em que parece existir a imensidão cibernética. Levanta-se, portanto, a questão dos limites – os limites e as fronteiras. Mas neste caso, não nos suscita o tema tanta preocupação. O que importa reter é o excepcional condicionamento em que estamos inseridos, apesar da euforia reinante.
Mas, se queremos tratar de comunicação, teremos que averiguar outras variáveis. Edward T. Hall, no ensaio A Dimensão Oculta, estabelece relação entre Cultura e Comunicação. O espaço social e pessoal e a percepção pelo homem destes dois elementos levou à formulação de um termo – proxémia. Define o autor: "neologismo que criei para designar o conjunto das observações e teorias referentes ao uso que o homem faz do espaço enquanto produto cultural específico."2. A comunicação, que surge como fundamento, justificação ou suporte da cultura e da própria vida, deriva numa força resultante de vários factores. O que é interessante retirar das suas análises, neste contexto, dado que a partir das investigações proxémicas chegou à conclusão que "indivíduos que pertencem a culturas diferentes, habitam mundos sensoriais diferentes"3, é o seguinte: "a própria percepção que o homem possui do meio circundante é programada pela língua que fala, exactamente como um computador."4. Deste postulado retiramos a noção de um homem preso ao seu organismo, preso ao seu aparelho vocal e dominando um espaço não visível que se afigura como uma limitação, a nível linguístico e a nível comunicativo. Discorramos sobre a nomeação das coisas, a linguagem e a auto-reflexividade latente, a interrogação necessária para questionar o estado inicial das coisas, e teremos a linha programática de Alberto Caeiro.
Estamos perante uma conjuntura que nos transporta para o imediato, para o controlo do indivíduo, para um sistema de comunicação, consequentemente, em ruína. O telemóvel iniciou, com maior frequência, uma deficiência que parecia oculta, ou menos explícita. O ser humano passou a falar, a falar em todo o lado, a toda a hora, para qualquer local, independentemente da distância e da margem geográfica. Inventara-se a telefonia. Sim, uma revolução indiscutível. Mas a portabilidade deste meio, a internet, as mensagens via e-mail, os chats e os fóruns de discussão, a "produção e transferência de mensagens"5 – no dizer de Gérard Leclerc – que se acelerou vertiginosamente, alterou de modo significativo a percepção da comunicação. O ser humano passou a falar, a falar incessantemente. Mas terá, porventura, passado a comunicar? Parece-nos que a resposta é soberanamente negativa. O ser humano encontra-se mais ausente, mais vazio, falando de tudo, mas sem nada para falar, acorrentado a um imaginário esgotado e empurrado para as grades da segregação social se assim não o fizer – se não falar, se não falar, se não falar interminavelmente... se não participar activamente no corrupio de nulidade total.
Assistimos a um crescente número de veículos com a finalidade de comunicação, quando, fruto do seu modus operandi, se revelam, eles mesmos, objectos de incomunicação.
Como é sabido, a incomunicação não é uma doença nem do final do séc. XX, nem de todo o séc. XX, nem de algum tempo ou lugar – é de sempre e de todo o lado. A realidade portuguesa não escapa entre as tenazes garras deste abismo incolor. Pactua, como todas as outras, onde a linguagem sonora ou silenciosa seja mediação. A Metamorfose, de Franz Kafka, símbolo desse vazio, dessa barreira entre os seres, sentido de universos distintos, demonstra fortemente a possibilidade desse constrangimento.
Passemos, pois, à relação entre Comunicação e Poesia.



3. Poesia

A palavra poética – sempre no limiar de si mesma – nos subtrai à dissolução, abrindo-nos de chofre as cem portas do Instante, nossa pátria ilimitada e natural.

Eduardo Lourenço in Tempo e Poesia 6.

Quando Franz Boas, Edward Sapir e Leonard Bloomfield estudaram as diferenças dos sistemas linguísticos – o indo-europeu, os índios da América e os esquimós –, perceberam a independência de cada sistema. Cada família linguística mostrava-se como um "sistema fechado com as suas próprias leis"7 – "O linguista devia, por conseguinte, evitar cuidadosamente projectar as regras implícitas da sua própria língua na língua estudada."8. Tentando efectuar um paralelismo com a Literatura e a sua Crítica, percebemos a pertinência da questão.
A Literatura tem o seu cânone estabelecido e remodelado ao longo dos anos. Quando algo não classificável aparece, a posição é, habitualmente, de exclusão ou integração moderada. O sistema literário constitui-se como um todo e não como uma frase gigante de sintagmas. O retalho, apesar de aliciante, não deveria ser apetecido. Não enquanto marginalização, enquanto rejeição pseudo-ponderada que elimine tudo o que não se ajuste ao anteriormente conhecido. O limite da Literatura é ela não ter limite. A fronteira, enquanto gaveta, proporciona o erro. É necessário, portanto, furar a Muralha de Tróia dos géneros e modos da Literatura e, mais especificamente, da poesia.
A Crítica, quando em presença de uma nova forma de arte – quer seja na música, nas artes plásticas, na dança ou na literatura –, deve evitar cair na tentação de projectar as regras das suas estruturas nas regras das estruturas estudadas. Queremos com isto explicitar o seguinte: o crítico deve, como o linguista, em certo sentido, quebrar as regras de estudo e análise anteriormente aplicadas para se lançar na criação de novas regras, procurando-as na estrutura do Texto desconhecido. Se a função do crítico, no âmbito da literatura, é tornar explícito aquilo que está implícito (segundo Harold Bloom), pressupõe-se que tente vislumbrar o implícito do novo texto em cada texto, procurando não recusar imediatamente mas sim compreender o processo do fazer.
Após esta digressão, convém centrarmo-nos no tema: Poesia. "Que linguagem pode servir à nomeação da realidade que somos senão aquela que por antonomásia já nos é devolvida como suprema Criação?" – pergunta Eduardo Lourenço. E a concentração da resposta concede-nos uma linha de acepção fulcral para o ensaio a que nos propomos – "É poeticamente que habitamos o mundo ou não o habitamos."9. A comunicação será uma apropriação do sentido da palavra, servida pela linguagem, e confrontada com a necessidade de uma distância de liberdade coerente. No âmago do estar, quer nos parecer sensato pensar num ambiente predominantemente poético, no espaço entreaberto da comunicação. "De um mundo submetido à divisão e à morte a palavra poética faz uma esfera que se reenvia de cada ponto o prodígio simultâneo das suas cintilações"10, acrescentamos, parafraseando Lourenço. Reforçamos a intenção de ver na palavra poética o acto etéreo de comunicação, de alheamento e expansão sensorial – "Só a palavra poética é libertação do mundo."11.
Confronte-se o primeiro capítulo – onde referenciámos as diferentes tipologias de vazio contemporâneo, decorrentes dos meios tecnológicos e da fabricação individual de uma consciência de massas – com o seu motivo expresso de compreender o fenómeno de incomunicação existente e com a expressão de Lourenço – "mastigação discursiva do mundo"12 – e combinaremos a súmula dos nossos propósitos. Confronte-se ainda: "O discurso do mundo não se encontra apenas corrigido ou voltado ao avesso. Encontra-se suspenso e ao mesmo tempo em estado de suprema aceleração."13. Inquietante, já que nos assimila de forma devoradora e acelerada.
O aprisionamento ao sistema comunicativo tornado homogéneo dispara em direcção a cada indivíduo – "Na mais idealista das filosofias nós continuamos ainda prisioneiros do mundo. E tanto mais prisioneiros quanto maior é a convicção de estarmos libertos."14, refere Lourenço.
Tencionámos, ao aproximar o carácter da Poesia do da Comunicação, reagir contra este influxo de nevralgia adormecida em que vive a sociedade. Neste momento frágil de glaciação ardente, o intuito não é definir a Poesia contemporânea, é sim estabelecer a ponte desejável entre a Poesia e a comunicação que deve desempenhar, como aproximação de uma solução possível. Segundo Lourenço, "(...) a poesia suscita em todos os homens, nem que seja uma só vez na vida, um começo de metamorfose semelhante à do autêntico amor (...)"15. É esta metamorfose, o acordar de uma apatia instalada, que nos empolga. Defendemos a Poesia como comunicação, a Poesia como escadaria da compreensão humana. Defendemos, não de modo romântico mas sim comunicativo, a Poesia como voz aguda da (in)consciente elevação do ser. Pretende-se a acção, a ebulição face ao crepitar do conhecimento. Assim, "De inofensiva, a poesia converte-se na mais suspeita das manifestações humanas, na mais perigosa de todas as criações."16.



Anexos

1. Notas

1 – Eduardo Lourenço in Tempo e Poesia, p.34.
2 – Edward T. Hall in A Dimensão Oculta, p.11.
3 – Ibidem, p.13.
4 – Ib., p.12.
5 – Gérard Leclerc in A Sociedade da Comunicação: Uma Abordagem Sociológica e Crítica, p.10.
6 – Eduardo Lourenço, op. cit., p.36.
7 – Edward T. Hall, op. cit., p.11.
8 – Idem, idem.
9 – Eduardo Lourenço, op. cit., p.35.
10 – Ibidem, p.36.
11 – Ib., p.38.
12 – Idem, idem.
13 – Id., id..
14 – Id., id..
15 – Id., p. 40.
16 – Id., id..


2. Bibliografia

2.1. Activa

HALL, Edward T. – A Dimensão Oculta, Relógio D’ Água, Lisboa, 1986.
LECLERC, Gérard – A Sociedade da Comunicação: Uma Abordagem Sociológica e Crítica, Instituto Piaget, Lisboa, 2000.
LOURENÇO, Eduardo – Tempo e Poesia, Gradiva, Lisboa, 2003.
SÁÀGUA, João – Lógica, Linguagem e Comunicação, Colibri, 2002.

2.2. Carácter Geral

RUBIM, Gustavo – Arte de Sublinhar, Angelus Novus, Coimbra, 2003.

segunda-feira, março 21, 2005

inércia

hoje é dia de contra-sentidar tudo!

quinta-feira, março 17, 2005

Philip Lamantia -- S.F. Surrealist poet
Visionary verse of literary prodigy influenced Beats

by Jesse Hamlin, Chronicle Staff Writer, San Francisco Chronicle

Friday, March 11, 2005


Philip Lamantia, the blazing San Francisco poet whose embrace of Surrealism and the free flow of the imagination had a major influence on the Beats and many other American poets, died Monday of heart failure at his North Beach apartment. He was 77.

A San Francisco native born to Sicilian immigrants, Mr. Lamantia was a widely read, largely self-taught literary prodigy whose visionary poems -- ecstatic, terror-filled, erotic -- explored the subconscious world of dreams and linked it to the experience of daily life.

"Philip was a visionary like Blake, and he really saw the whole world in a grain of sand,'' said poet Lawrence Ferlinghetti, whose City Lights Books published four of Mr. Lamantia's nine books from 1967 to 1997.

"He was the primary transmitter of French Surrealist poetry in this country,'' said Ferlinghetti, who first met Mr. Lamantia here in the early 1950s. "He was writing stream-of-consciousness Surrealist poetry, and he had a huge influence on Allen Ginsberg. Before that, Ginsberg was writing rather conventional poetry. It was Philip who turned him on to Surrealist writing. Then Ginsberg wrote 'Howl.' "

That epochal poem made Ginsberg's name and set off a revolution in American poetry and culture. Ginsberg first read it aloud at San Francisco's Six Gallery on Oct. 13, 1955. The other four poets on the bill that night were Gary Snyder, Michael McClure, Philip Whalen and Mr. Lamantia.

Rather than reading his own works -- his first book, "Erotic Poems,'' had been published in 1946 -- Mr. Lamantia read the prose poems of his friend John Hoffman, who had recently died in Mexico.

"Philip was one of the most beautiful poets I've ever known. He was a poet of the imagination,'' said McClure, who lives in Oakland. "He was highly original -- I'd call his poetry hyper-personal visionary Surrealism -- and he was thrilling to be around. Everybody would sit around and listen to him all night. The flow of his imagination was a beautiful thing. ''

A man of ecstatic highs and deep, deep lows, Mr. Lamantia suffered from depression, friends said, and had become a recluse in recent years, rarely leaving home.

But in his younger days, he was a dashing figure who conversed brilliantly on a wide range of subjects. An omnivorous reader, he delved into astronomy, philosophy, history, jazz, painting, ornithology, Egyptology and many other subjects that informed his expansive vision.

"He was very handsome, like a real Adonis,'' Ferlinghetti said. "He was a brilliant talker, a nonstop associative talker like Robert Duncan (the late San Francisco poet with whom Mr. Lamantia was associated on the pre-Beat San Francisco poetry scene of the late 1940s and early '50s). "He would talk in a continuous stream. One word would set him off in one direction, and another word would get him on another trip. He was a real polymath. And he had an encyclopedic memory.''

Born in San Francisco's Excelsior District, Mr. Lamantia worked as a boy in the old produce market on the Embarcadero, where his Sicilian-born father was a produce broker. He began writing poetry in elementary school and fell under the spell of Surrealism after seeing the paintings of Miro and Dali at the old San Francisco Museum of Art on Van Ness Avenue.

He started reading the poetry of Andre Breton, the so-called pope of Surrealism, and other writers in the movement. In 1943, when he was 15, some of Mr. Lamantia's poems were published in View, a Surrealist-leaning New York magazine. Breton gave the young poet his blessings, describing him as "a voice that rises once in a hundred years.''

Some months later, Mr. Lamantia dropped out of Balboa High School and moved to New York City, where he lived for several years. He associated with Breton and other exiled European artists such as Max Ernst and Yves Tanguy, and he worked as an assistant editor of View.

Returning to San Francisco after World War II, Mr. Lamantia took courses at UC Berkeley in medieval studies, English poetry and other subjects while continuing to write and publish poetry. In 1949, he began traveling the world, staying for extended periods in Mexico, Morocco and Europe.

Coming back to the United States every few years, Mr. Lamantia became part of the underground culture blossoming on the east and west coasts. Like other poets who felt estranged from mainstream culture in the atomic age, "he found in the narcotic night world a kind of modern counterpart to the gothic castle -- a zone of peril to be symbolically or existentially crossed,'' wrote Nancy Peters, who later married Mr. Lamantia in 1978 and edited some of his books for City Lights. "The apocalyptic voice of 'Destroyed Works' is witness to that experience.''

Published in '62 by Auerhahn Press, "Destroyed Works'' was Mr. Lamantia's fourth book. The San Francisco house had also published the poet's two previous collections, "Narcotica'' and "Ekstasis,'' both in 1959.

Ever searching to expand his vision, Mr. Lamantia spent time with native peoples in the United States and Mexico in the '50s, participating in the peyote-eating rituals of the Washoe Indians of Nevada. The poet, who taught for a time at San Francisco State and the San Francisco Art Institute, also embraced Catholicism. In later years he attended the Shrine of St. Francis in North Beach.

"He had a vision of the world that was completely unique,'' said Peters, who later separated from Mr. Lamantia, but they remained good friends. She edited three of his books for City Lights, "Becoming Visible" (1981), "Meadowlark West" (1986) and "Bed of Sphinxes: New and Selected Poems, 1943- 1993.''

Andrei Codrescu, a poet and NPR commentator who knew Mr. Lamantia well, called him "one of the great voices of our subconscious for the last 50 years.

"He was a very pure poet in the sense that he was one of the very few American poets who continued to pursue the Surrealist investigation of dreams and the unconscious -- and he connected those explorations to civic American life.''

A memorial is pending.

Philip Lamantia (1927-2005)
www.citylights.com

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Ver artigo de Jack Foley - Riding the Marvelous
acerca de Philip Lamantia, in Poetry Flash, Number 282
August September 1999

www.poetryflash.org/archive.282.foley.html

quarta-feira, março 16, 2005

Sartre. Beauvoir. retratos cruzados. Gulbenkian. 2 março 2005.

"a liberdade é essa capacidade de estar rodeado de nada [vazio] e afirmar o ser" (Eduardo Lourenço)

"não somos seres livres, somos a liberdade, ela mesma"
("foi esta a lição de Sartre", segundo E. Lourenço, "que incendiou o mundo")

Sartre, no documentário, parafraseando Lutero: "«todos os homens são profetas»" - também era pouco protestante este gajo!...

terça-feira, março 08, 2005

El peso de los versos

A veces los versos pesan
como cruces de hierro
colgadas del cuello de los días.

Nos arrastran con ellos a hondonadas
donde sirenas asesinas
duermen sus sueños sonrosados

A veces los versos
se disfrazan de silicios
en un delirio súbito
de castigos y voces de negrura
Entonces son pequeños animales
que muerden la costura de los sueños
y despeñan en medio de la noche
las tenues luces
de la luna de adentro.

A veces los versos son demonios
que arañan,crujen gruñen
en los campos lejanos y ateridos
en los esteros llenos de cadáveres
en las vaguadas solitarias
que derrumban los cerros
y las fibras del alma.

Ahora
el día cierra filas
entre añiles y lejanos pájaros
que durante la noche
beberán poemas negros,
gotas de lluvias
y caídas estrellas.

© Gocho Bersolari

http://english.agonia.net/index.php/author/9810/

http://www.criscarbone.com.ar/poetas_amigosgocho.htm

sexta-feira, março 04, 2005

Festival Peças Frescas

novos compositores portugueses
composições dos alunos da Escola Superior de Música de Lisboa

Pedro Sousa - Terra dos Sons
dia 7 de Março pelas 18:30
Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz

www.egeac.pt

quarta-feira, março 02, 2005

SERAPHINE LOUIS

por Manuel Lozano (Argentina)


Una mujer de este mundo, Wilhelm Uhde, descubrió un buen día incontenible que su criada Seraphine Louis (1864-1942), pintaba cuadros admirables sin haber tenido maestros o estudios previos. El hecho es mucho menos importante que lo que Uhde dejó escrito para el porvenir: "(...) Una obra grandiosa que ignora sus sublimes predecesores y por lo tanto no puede citarlos como testigos: los rosetones de las catedrales medievales y las tapicerías góticas."

Seraphine entraba, al pintar, en prolongados éxtasis. Sus dibujos suelen mostrarnos junglas exaltadas en que ninguna piedad es posible, cielos como pozos y elevados infiernos. Acaso como cuadra a toda criatura que atraviesa el relámpago -ut pictura poesis-, entró en la demencia doce años antes de su muerte.



...................................................



Voy a escribir una hoja inclinándose al árbol final que la rechaza,
a estas hordas de luto que el enigma no puede medir.
Escribiré en su corteza como quien canta
un ensalmo abandonado a la pavura de la sangre.
Estás aquí con tu frío y no hay luz para partir,
no habrá luz de despedidas.
Es en la orilla de las grandes ciudades
donde se enreda, de bruces, la áspera mujer,
cuando entras a la casa de la transformación.
¿Y adónde aquellos dones para volver
en oro todo cuanto rozan esos dedos?
¿Dónde la que cavó el vacío llena de tristeza
graznando como un pato en bordes de laguna?
¿Y adónde la engreída con el fruto madurado antes de tiempo?

Nadie me reconciliaba con su estirpe de viejos.
El árbol subía polvoriento desde el fondo del agua
a hablar el idioma de las ruinas,
la palidez de una dádiva.
¿Quién dirá que llueve contra estos postigos?
Pero el agua no comunica, el agua arrastra.
Entonces, se aliaban los colores
en el subsuelo ardido que apenas conoces
como una telaraña extraída de la pesadilla
temblando aún entre los dedos.
Todos estaban presentes.
Las lenguas con ojos saltaron de sus bocas a la vista de todos,
como pequeños cofres inútiles
que no será preciso entonces abrir
porque el día ha llegado.
Son pocos los que corren al furioso ayer
donde los siglos cantan la ceniza, no el prodigio.
Desangrado castillo y sanguinaria luz
disputándose los rostros
que jamás se encontrarán bajo la forma del cielo.

¿De dónde este racimo de presentimientos
engendrando nuevamente al árbol primero
plasmado siempre en el fuego de la pesadilla?
Cada dios en su palacio,
cada leproso en el coliseo de su desesperación,
cada maniática puerta sin abrir,
cada bestia heráldica perdida en la memoria del alba de los muertos,
vienen a mí con su fábula.
¿Y nadie nos arrebató el enigma,
nadie encontró el centro del azar, la fatua carne del triunfo?
Para que existas,
debió desvanecerse el viento hasta donde
no alcanza el barro y su historia
con torpes caravanas
la repartición de la herencia.
De ti se nutre el ignoto pájaro desmembrado
prolongando el trino
con los fulgores del desquicio adverso.

Hay horror en los ojos mientras nazco,
sucesión de padres de ignominia,
cadáveres del estigma de las llagas
abandonándose para siempre a la soledad de las aldeas.
Dicen que Elohim los bendijo, señalándoles:
"Que sirvan de signos para las épocas
y para los días y los años."
De la tierra firme surgían los rampantes.
Las lluvias se abrían al vuelo de langostas.
Hágase la tiniebla
y fue hecha la tiniebla en todo su esplendor.
Porque acaso, ¿no hubo un tiempo
en que el mundo entero no era sino tinieblas
y agua hasta donde el principio?
Que haga luz y hubo luz.
(La cuna de escarchas reluce todavía en la mirada.)
Porque acaso, ¿no manó la luz exhuberante
entre las brumas espesas del infierno?

He construido mi casa con brotes de murciélago.
El pudridero crecía, se abismaba
mostrando que no es cierto nada aquí:
alma de hombre comida por el hombre.
¡La dicha del hogar!
¡Las farsas del hormiguero de hijos
inflamando las camas con su hedor espantoso!
Tan baldío el almizcle, sin fin el estuche
como una fosa labrada de vestigios.
¿Quién era Dios? ¿Quién me suicida?
El niño monstruo corre por mi raza.
La claridad hace cruces en el aire.
Entonces, llega y sucumbe al designio de subir
en espirales sobre los antiguos reinos.
¿Se abrirían las plegarias?
¿Las llagas saltarían sobre la miseria
y la complicidad de los reos?

Jamás el mundo será tan indecible.
(El gesto del que arroja las migas,
de una vieja arañando en el agua de la fuente,
de otra vieja limpiando el nicho de sus padres:
todas traiciones en los huesos sucios de la memoria.)
La desposada con el delirio
vuela suntuosa sobre el túnel del engaño.
Salpica a cada instante, remontando sus alas
como un modo de advertir a los vivos y a los muertos
el dibujo aprisionado,
el secreto esplendor de la mano que dibuja
manando sangre en las paredes.

Ahora las raíces sojuzgan el templo.
¿Qué fábula desgasta el paso de estas migraciones?
Los instrumentos del caos no pueden descifrarse.
Anterior al porvenir,
siempre habrá una condenada lavando el patio de su sombra.
Pero en el caleidoscopio medirían sus huellas
con el vino sagrado de las pequeñas magias
hasta el fin implacable que no llega.
Caeré adormecida.
Sin fe ni salvación, las moscas rondarán la carne.
¿Y quién dijo que el fin estaba cerca,
la locura estremecida por el rayo,
una estrella fugaz entre las vías de un ferrocarril?

Agotada,
erguida,
posible.
Cuando me exorcizan,
nadie es presa de amor en esta guerra.

Por las grietas del ataúd
salen las puntas de tu cabellera nutricia, nidos
en la música feroz de todo ruego.

De noche y de día
hemos amontonado las raíces de la fiesta.
Las tablillas como los rostros son equívocos
a la hora en que los cuerpos ruedan al vacío
y te aprietan el criminal y su mártir.
Las emanaciones disolventes hierven
en la corteza tristísima de los establos.
Quise llegar a esa orilla,
desclavarme en la cruz de mi pecho vigoroso,
transfigurarme de los pies a cabeza.
A la entrada del palacio,
¿qué duplicación no me rehúye, no me abruma?
¿Y qué esfinge pregunta a la quimera por su clave?
Todavía queda el brindis,
imitación de cenizas cuando vuelves
del muro hasta los ojos, diciéndome:
-Amémonos.




(Este texto pertenece al libro "Bizancio bajo las aguas", de Manuel Lozano, habiendo sido seleccionado e incluido en el libro de arte "La Mujer: Soledad y Violencia", editado e ilustrado por el pintor Juan Fernando Cobo A., de Colombia (Edit. "Gente con Talento", agosto de 2004. Al mismo tiempo, fue presentado en las lecturas que hiciera Lozano en Edimburgo y París, durante agosto y septiembre.)

terça-feira, fevereiro 22, 2005

caput - ocasional de arte

não comemora mas deixa aqui registado o facto fantasmagórico de hoje passar um ano desde a sua criação.
durante 1 ano publicaram-se textos neste blog de pessoas mais ou menos identificadas.
o programa estabelecido não protocolar mas mentalmente era abrir este espaço a todas as áreas de criação artística e pirómanas. o mesmo programa continua vivo e cheio de tentáculos invisíveis apesar da diversidade disciplinar não se verificar muito.
posto tal fardo, continua este lugar sem morada à disposição do cibernauta já familiar ou do ignorante em trânsito teclante, quer como criador quer como crítico:
artes plásticas
pedicultura
música
serradura
dança
cozedura
literatura
esvaziamento dos néctares envelhecidos em carvalho francês ou nepalês
arquitectura
bonsais
fotografia
e afins derivados ou não - dos quais não me recordo
eis algumas tendências que servirão de mote à colecção 2005.2006
deste estábulo das crinas grossas e aguçadas.

álvaro
1 dos manifestantes

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

poder-se-ia escrever acerca da imagem no espelho
da imagem no espelho

interrogação

algumas passadas em hélice pelas condutas da cidade
outras pelos elevadores de várias direcções cérebro
acima cérebro abaixo
consegue-se até recordar restos de palavras deixadas
nalgum piso mais visível mais visível
e a interrogação parecendo dar à estampa
uma barriga menos inchada
acontece que vai mesmo é insuflando ar desconhecido
para dentro da curva
passadas em hélice e volta-se volta-se
volta-se ao mesmo com outros restos
e surge então a tese poética arfando vaidade sabendo porém
que de pus e bolor está ela prenhe:
a imagem no espelho esquece-se que diz nada
um nada sereno mas um nada
que autoridade habilitou de credenciais esse objecto nomeado espelho?
avisem-no rapidamente!
mas quem? o quê? quem?
não bastasse já o espelho mais o contra-espelho e o do lado direito e esquerdo e oblíquo e horizontal e vertical e diagonal e outras possibilidades não academicamente registadas e sobre as quais não apetece escrever
seriam vários ângulos da mesma face daquele rosto insondável
sabendo-se real na simples imagem na simples imagem concreta
concreta de vidro tão concreta como ser imagem e ser espelho e ser imagem debaixo da pele do espelho e realmente falsa como esse rosto
esse rosto insondável insondável
e então era um cubismo
mas não aquele cubismo de feira
aquele cubismo vendido aos pacotes por professores e certo escol e outras entidades riquíssimas para fazer um bom kebab de sabedoria
não se fala nesse
fala-se da essência de um cubismo presente
claro que como tudo seria insuficiente
percebe-se não é?
o que se prende à fórmula e se deixa permanecer no saco-cama de um horizonte segmentado esse bom esse já era
sabem?
como as bolas de ténis: havia uma marca era de facto era
no primeiro jogo desapareceram todas: mas que interessa?
memórias
sempre iguais: a perturbar qualquer momento
então: não só uma essência cubista
mas
sobreposições isso: sobreposições!
porções não mensuráveis de imagens sobrepostas num caos mais ou menos
equilibrado: seria o êxtase não?
ou então um espelho rachado
rachado há muito por um bacon qualquer
um bacon fracturado dos olhos em transe consciente
estilhaçado no seu sangue
esquartejado e ainda assim revendo-se
isso: seria assim!
um cubismo muralhado
um espelho desfeito
e um sobreposicionismo ah! sim!
só sobreposições: imagem em cima de imagem
mais imagem e ainda outra outra imagem
e teríamos o espelho traseiro acenando todo o dia uma imagem que desconheceríamos
mas seria nossa
seria a imagem absoluta de um absurdo total
um absurdo sempre variável e só nosso só nosso
e não esta merda que todas as madrugadas ao acordar surge no espelho e
tonitroando
troça: cabrão! mais um dia com esse focinho alegre não é?
e de facto é: é o focinho envelhecendo vaidoso
da sua cobardia constante

aseiçaneves

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Um Conflito de Prioridades Suburbano

Havia ânsia e apreensão no olhar dela. Ele inclinava a cabeça e mirava-a semicerrado, talvez tentando perscrutar algum sinal de fraqueza. O olhar traía-a e a sua respiração era ofegante, mas mantinha-se firme na sua compostura, decidida a não voltar atrás no que acabara de dizer. O silêncio instalado parecia ecoar as palavras expelidas sem contenção.
Estavam os dois sós naquele beco perdido no tempo e no espaço, num sítio onde só a eles lhes era permitido permanecer. A luz fraquejava por cima das suas cabeças, iluminando-lhes as poses teatrais. As suas sombras não se mexeram durante uma eternidade aparente, até que ela cedeu. Baixou os olhos como que para se esconder, magoada com os seus próprios sentimentos. Ela nunca o odiara tanto. Só ele conseguia faze-la sentir-se tão mal consigo mesma ao ponto de desejar não existir e ser outro alguém. Morrer.
Ele continuava fixo num outro rosto que não o dela. Os seus olhos não viam o que estava à sua frente, mas sim o significado do que ouvira. Na verdade, nunca tinha pensado naquilo. A sua primeira reacção foi de indignação, mas agora parecia fazer sentido. Ela tinha razão. Toda a razão. Hesitou em dizer-lho. E como sempre acontece quando se hesita, as palavras saíram-lhe tarde demais.
Ela virava já as costas e afastava-se, não tanto para fugir dele mas sim das lágrimas que agora lhe assomavam aos olhos em golfadas. Corria sem pensar, dominada por uma dor desconhecida que não era identificável. Doía, apenas; doía tudo. Rasgando-lhe as roupas, perfurando-lhe as vísceras, desfazendo-lhe os ossos. E quanto mais se apercebia disso, mais lancinante a dor se tornava.
Atordoado com a reacção inesperada, ele demorou algum tempo a dar o primeiro passo de perseguição. Mas assim que o deu, correu com quantas forças tinha. Via-a desfocada pelos olhos também humedecidos, e tudo o que ele queria agora era não a perder. Nada mais interessava. Tinha de pedir-lhe desculpa e abraçá-la.

Os passos afastam-se do beco, de volta ao mundo real. A luz mingua contra as paredes escurecidas pelos fumos citadinos. De um canto onde só a escuridão alcança chega o resfolegar de um corpo virando-se sobre si mesmo, maltratado e abandonado por todos e por nenhum. Do seu casebre de cartão carcomido e mantas bafientas, solta-se um suspiro de desprezo:
- Miúdos...

Cristóvão Figueiredo

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

estaleiro

é uma questão de peças. de haver ou não haver. de se safar ou não safar. uma questão de peças. o estaleiro humano. a oficina. e o corpo já suspira. o corpo é máquina. e são os órgãos e os tubos metálicos a formar andróides. cyborgs. a carne atarraxada às próteses. e são os órgãos mergulhados na cirrose. as glândulas bebendo olhos. o coração. o fígado. peças. peças órgãos furando os tecidos musculares. o corpo máquina. o corpo na oficina. o copo corpo maltratado caindo no estaleiro. deitado para arranjar. pronto para a permuta. o corpo em permanente. o corpo. o corpo em permanente transplante. em transhepático. em transoftálmico. o corpo acidente. imediato hospital. imediato em instrumentos. instrumentos de cisão. instrumentos entesourados. agrilhoando-se. o corpo acidente imediato hospital. hospital central que é preciso. banco de dadores. surpreso? e descansem os familiares que ninguém sabe. e descanse o acidentado que vivo ou morto também não sabe. a lei é subterrânea. coisa pós 25 de abril. a lei é lei. dizem os que sabem e os que não sabem. não sabem? mas descansem. o corpo vai a funeral. a câmara ardente. diria o torga. as virilhas coçadas. o corpo vai a funeral ali deitadinho. as pálpebras bem cosidinhas com fio grosso de costurar perus. de costurar peitos esventrados. e as pálpebras bem cosidinhas e as cavidades oculares vazias. rapadas. e as pálpebras cosidas. e os familiares ignorando. ignorando.
que é feito dos olhos? bom. sabem... os olhos estão no banco de dadores. desculpem lá qualquer coisinha.
e antes já olhos arrancados. já olhos em líquido de krön. já nervos cortados à bisturizada. e salta olho daí para fora. com cuidadinho que a córnea é ouro. a córnea é ouro. é já ouro visual de outro. de outro. e tudo suturado. bem suturado que assim ninguém nota diferença.
e as agulhas perfurando os tecidos enrijecidos. e outro bloco operatório. e o cheiro a matadouro. e a náusea a tentar ser abafada. abafada. que a corrente de ar é forte e estão todos lá fora à espera e esta merda toda mais parece um talho. e outro corpo estendido. outro corpo. vegetava através da máquina. mas olha: sinal no écran contínuo. o cérebro já morto. clínico. clínica. morte clínica. ouviram? malta! morte clínica! está a mexer! rápido! o cérebro está morto! rápido que o coração ainda bate! bate. propulsa-se e esse fígado dá um jeitaço. anda lá pá! mexe-te! rápido! retira rápido! não penses no coração!
e o hospital estaleiro em acção. o corpo reformando-se máquina. o corpo na oficina visceral. e as cirroses andantes contentes contentes. contentes porque o transplante hepático dá um jeitaço.

e.e.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

LAB 11 . Tiago Guedes


No LAB os artistas falam do que ainda não sabem. Aquilo que pensam saber, será útil para dar início aos trabalhos, mas aquilo que verdadeiramente nos interessa é que venha à superfície o que se encontra nas entrelinhas desse saber. Para estimular e provocar essa qualidade, acompanhamos os artistas em residência na evolução dos seus processos. No final de cada residência, cria-se um momento de confronto com o público, momento delicado e frágil para objectos tão voláteis, mas tão necessário para que um olhar ainda virgem e bruto possa questionar, e se possível desfazer, quaisquer ideias que tenham entretanto sido construídas.

O projecto do Tiago Guedes recebeu o acompanhamento artístico de João Fiadeiro (coreógrafo, bailarino e director artístico da RE.AL), João Queiroz (pintor) e Francisco Tropa (artista plástico).

ENTRADA GRATUITA
Lotação limitada, reservas aconselhadas
dia 5 FEVEREIRO _ 18H00


ATELIER RE.AL

RUA POÇO DOS NEGROS Nº55_1200-336 LISBOA TELF: 21 390 92 55 FAX: 21 390 92 54 E-MAIL: real.j.fiadeiro@mail.telepac.pt

sábado, janeiro 15, 2005

(Sem início descritivo)
São dias cinzentos
Escuros
Pretos.
(Sem conotações racistas)
Apenas porque são de facto pretos
Escuros
Cinzentos.
Tal como as noites pálidas
Puras
Cândidas.
(Sem paralelismos)
Apenas porque nada têm a esconder
Na escuridão cândida
Pura
Pálida,
No cheio palpável do nada
Que se absorve e
(Sem contradições)
Nos
Te
Me
Consome.
(Sem frases vazias)
Nada mais que uma ligeira fuga à realidade
Que tantas vezes é necessária
Desejada
Inalcançável.
(Sem clichés)
Porque para onde quer que se olhe há
Merda aos pulos
Saltos
Trambolhões
(Sem nonsense)
Numa mente demente repleta de
Merda.
Nada mais do que
Merda.
Alimentando-se constantemente de
Merda
Que pensa, reflecte e fede a
Merda.
Foda-se!
(Sem linguagem chocante)
Continua vazio, sem conteúdo.
(Sem introspecções)
Não é feito sequer um esforço.
Nada.
Contudo, parece satisfeito.
E ri-se.
(Sem finais felizes)

Cristóvão Figueiredo