quarta-feira, julho 13, 2005

tradição

para pablo a arena tem sido o fulgor da estética e da beleza. o embaraço dignificante do animal perante o toureiro. para pablo a arena é cromatismo a vibrar. linhas curvas de sedução. um kitsch soberbo. para pablo as touradas são a mais alta manifestação do domínio racional. da casta superior. se não fossem os toureiros há muito que a espécie touro estaria diminuída. ou mesmo extinta. se não fossem os toureiros e os amigos das touradas. se não fossem. ai se não fossem. todo este ritual sublime perder-se-ia para sempre. e para pablo a tradição pesa mais do que tudo. a tradição deve-se manter. repete incessantemente pablo. a tradição deve-se manter. transformada ou não. mas tradição. para pablo a arena é a convergência dos sentidos e do rejubilar humano. para pablo a arena é o olimpo terreno. ali se faz e ali se decide. o sacrifício impera na senda do belo. isso sim. isso é beleza. para pablo o touro é o pólo masculino. para pablo o toureiro é o feminino. e depois nisto tudo. pólo masculino e feminino. naquela dança dionisíaca. depois disto. ai que linda cena de amor carnal mas também espiritual não fazem os dois. é lindo. lindo lindo lindo.
pablo pensava tudo isto até ontem. ontem a terra foi invadida por uma entidade desconhecida. assim como tantos outros. assim. pablo foi deportado para uma gigante arena. à entrada espumava e vacilava de ansiedade. todo ele transpirava dúvida. a certeza das certezas já se esfumara. pablo questionou a entidade. a entidade comunicou-lhe: a tradição deve-se manter.

e.e.

segunda-feira, julho 11, 2005

Safo: novo poema 2600 anos depois

"[You for] the fragrant-blossomed Muses’ lovely gifts
[be zealous,] girls, [and the] clear melodious lyre:

[but my once tender] body old age now
[has seized;] my hair’s turned [white] instead of dark;

my heart’s grown heavy, my knees will not support me,
that once on a time were fleet for the dance as fawns.

This state I oft bemoan; but what’s to do?
Not to grow old, being human, there’s no way.

Tithonus once, the tale was, rose-armed Dawn,
love-smitten, carried off to the world’s end,

handsome and young then, yet in time grey age
o’ertook him, husband of immortal wife."

Safo

(poema restaurado e traduzido por Martin West)

Da poetisa, musa da antiguidade clássica e não só, como ainda se pode ver e ler, conhecem-se três poemas completos, vários aforismos e centenas de fragmentos. Agora, 2600 anos depois, foi encontrado um novo poema sobre a passagem do tempo, o envelhecimento do ser humano, o amor, ...

fica a sugestão dos artigos correspondentes:

The Times Literary Supplement:
http://poetry.about.com/gi/dynamic/offsite.htm?site=http://www.the%2Dtls.co.uk/this%5Fweek/story.aspx%3Fstory%5Fid=2111206

The Guardian:
http://books.guardian.co.uk/news/articles/0%2C6109%2C1513491%2C00.html

quinta-feira, julho 07, 2005

Encerramento do Ballet Gulbenkian por Daniel Tércio

Reencaminho os leitores caputianos, ou os vulgos passageiros, para o blog:

www.nudescendoescadas.blogspot.com

onde podem ler o artigo de Daniel Tércio sobre o encerramento do Ballet Gulbenkian.

Dois dias depois, penso que vale a pena perceber um pouco melhor esta abrupta decisão.

álvaro

terça-feira, julho 05, 2005

Pensamento Probabilístico Existencial

As probabilidades desempenham um papel de relevo nas tomadas de decisões que empreendemos no dia-a-dia. É Dezembro, estou no Porto, o dia amanheceu com nuvens e a temperatura é amena? Será melhor levar o guarda-chuva, pois há grande probabilidade de vir a chover. Tanto nos pequenos como nos grandes dilemas, a avaliação matemática do número de casos favoráveis a uma ocorrência versus o número total de casos possíveis é feita de um modo quase automático. É uma forma de pensar que, regra geral, é considerada válida e demonstra sensatez.
Há contudo algo que se contrapõe a esta regra, e que não me deixa em paz. Qual era, em boa verdade, a probabilidade de os meus pais me terem concebido? É algo que está dependente da probabilidade de eles se terem conhecido, de terem iniciado uma relação amorosa e de terem copulado, com a consequente união arbitrária de um gâmeta feminino e um gâmeta masculino, que me geraram e permitiram que eu nascesse. Grandes incertezas, estas que rodeiam a minha existência!
Sejamos ainda mais exaustivos: qual a probabilidade de os meus pais terem sequer nascido? Também eles foram fruto de um capricho de acaso e coincidência que engloba os seus pais, os pais dos seus pais, e por aí fora. Tudo isto misturado com múltiplas influências externas que modificam o rumo que parece mais provável: guerra, doenças, regimes políticos, catástrofes naturais e tudo o que se possa incluir na relação de interacção que os indivíduos têm com o meio. Se quisermos tornar as coisas ainda mais interessantes podemos recuar até à formação das primeiras formas de vida que se desenvolveram na sopa primitiva, que em si mesma já foi um caso espantoso, no sentido em que tiveram de se criar condições muito peculiares para a sua ocorrência.
Todo este conjunto de factores, que aparentam ser arbitrários, influenciou o meu nascimento. Assim, verificamos que num sentido temporal amplo e universal a probabilidade da existência de cada um de nós é um valor que tende para zero, um número infinitamente pequeno. Mas estamos aqui.
Não seremos a prova de que as probabilidades não são assim tão fiáveis, e que o mais improvável pode acabar por acontecer se lhe dermos o devido tempo?

Cristóvão Figueiredo