quarta-feira, julho 28, 2004

Amoródio

Coimbra não me deixou saudades. Mas tenho de admitir que é uma cidade muito intrigante. Parece ter o dom de absorver aqueles que lá entram, manipulando-lhes a mente e obrigando-os a seguir as suas regras, a gostar de si. Os que se recusam a obedecer-lhe são postos de parte. Este extremismo só pode ser devido aos que a sustentam a cidade que encerra D. Afonso Henriques, com uma devoção febril que roça o fanatismo.
Ao entrar em Coimbra é impossível deixar de sentir a aura que a rodeia, delimitando a fronteira entre ela e o mundo. Em criança, lembro-me de penetrar neste local, deixando-me uma sensação ambígua de simultâneo mal-estar e segurança. Veja-se que as minhas idas a Coimbra enquanto criança estavam sempre associadas a entradas de urgência no Hospital Pediátrico, pelo que talvez este sentimento faça sentido anamneticamente falando. Afinal, eu sempre entrei em Coimbra em sofrimento e saí de lá novamente confortável comigo mesmo.
E isso sempre me acompanhou. Só assim se pode compreender o sentimento opressivo e desconfortável que senti ao chegar a Coimbra para o meu primeiro dia de Faculdade e da minha felicidade ao voltar para Leiria. A minha relação de amoródio com a cidade que vive de estudantes começou muito antes de eu me aperceber disso.
Aliás, reflectindo no que disse atrás, não creio que ao regressar a Leiria eu estivesse feliz por voltar ao lar. Eu estava era aliviado por sair de Coimbra. Torna-se agora óbvio, perante todos os sentimentos contraditórios que surgiram durante a minha estadia em Coimbra, que eu nunca poderia sentir-me bem naquele local, rodeado daquela gente. Estava condenado a entrar em conflito comigo mesmo, numa disputa algo esquizofrénica entre a minha repulsa atractiva e a minha atracção repulsiva por esta entidade.
Nunca duvidei, desde que lá entrei pela primeira vez, que o meu lugar não era ali. Sempre o soube, apesar de tentar convencer-me a mim mesmo do contrário. Cada vez que me vergava perante o seu poder, tentando submeter-me às suas regras e caprichos, a cidade ria-se do meu esforço patético de integração. Não tinha qualquer problema em espancar-me de forma humilhante, deixando-me debilitado e incapaz de raciocinar, imaginar, viver. Tempos estranhos, aqueles…
Agora, torna-se um pouco mais fácil passar em Coimbra. Mas não sei se alguma vez conseguirei exorcizar as marcas das feridas que essa prostituta requintada pseudo-intelectual provocou no meu eu. Muito provavelmente, não. Afinal, tu és o meu amoródio. E tens mais encanto na hora da despedida.

Ramona

quinta-feira, julho 15, 2004

Is there any body out there?
Is there any body out there?