sexta-feira, novembro 19, 2004

Sagradíssimo comparsa. Mui excelso maganão sr. Álvaro,

Envio-lhe de tais modos o modestíssimo opúsculo que lhe referi. Hei
decidido, por mistérios além de toda a metafísica, que fosse uma
elegia - forma poética em consonância com toda a tralha do passado.
Coisa de pasmar.

Não percebendo nada de arquitectura, as musas ditaram um poemeto sobre
a minha Dama, a mais Bela: a Morte. Mui romanticamente. Mui
estrombasticamente.

Encarecidamente, o seu condiscípulo,
Bruno Ribeiro de Almeida, Visconde da Caparica, Marquês da Banática e
arrabaldes, Coronel da 21ª Companhia de Dragões do Samouco.

Viva o Senhor Doutor Oliveira Salazar! viva o Estado Novo! viva!



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elegia a um arquitecto

talvez isto te comova: teres à tua disposição o vazio,
e com olhos de carne manobrares a pedra em linhas e planos.
revelar o seu desejo de geometria - eis o enredo.
e que teia erótica é esta:
coisas que se edificam, carne fermentando-se a cada instante,
e resta um edifício algures, síntese do tempo. ordem,
mais que tudo, habitável. é preciso que funcione
como coisa humana, propensa a ser remexida dia e noite.
suja de passos e de impressões digitais - outros testemunhos.
depois vem a memória. és perecível, meu caro. a morte
também toca aos arquitectos: sejam eles quais forem.
tenebrosamente. sejam eles quais forem. não se edifica
sem dialogar com o tempo.
sobrevêm as primeiras dificuldades. há uma vertigem
entre a torre e o labirinto. entretanto
sente-se o cabelo a crescer, a encanar.
e os desejos? e as linhas cortadas pelo betão armado?
de barbas pelo chão guinchas pela arquitectura:
a carne tem destas coisas...
seguem-se vigílias, episódios comoventes,
e à maneira de epílogo saltas dum varandim abaixo.
– os teus olhos transbordam de arquitectura.

bruno r. almeida

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