sábado, abril 23, 2005

istmo

o assunto começou num bar de jazz. era dia de cadeiras e mesas cheias. de pessoas e músicos. a sala recebera uma enxurrada de suor e cabeças. no prolongamento da bebida. da bebida. a melodia ia escorregando para dentro da garganta. do esófago. o clima transpirava-se em concentração. intensa. o piano esbracejava melancolia alternada em violentas notas. tons. claves. os dedos do contrabaixista gemiam nas cordas do instrumento tornado corpo. tornado prótese. tornado mais tarde. mais tarde improvisação. mais tarde amante. amante. a quem se toca. a quem se deixa tocar. amantes dançando. osmose rara. momentânea. e as mãos. aranhas que deslizam música perfurada. e dedilha-se. dedilha-se sexo e magnetismo música perfurada. e os indicadores iniciam a sua viagem de cisnes. e a bateria cavalga em energia espantada. espasmos. espasmos em uníssono. e o ambiente cada vez mais pesado exigindo ar. oxigénio que aqui respira-se. mas o oxigénio já foi todo consumido pela música diabólica. e os cigarros contorcendo-se pela sala também. e o fumo condensando os olhos. o fumo apertando as lágrimas. os olhos a tentarem humedecer. e os olhos não conseguindo. os olhos secos. pesados. o fumo pesado. e as pessoas pesadas. e a música a deslizar gargantas esófagos estômagos apertando a traqueia. e ouve-se. o final. toada trovejando prisão exterior. a liberdade. qual nota desprendendo-se como um istmo único. e a música. a música. uma recta por definição infinita.

e.e.

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