quinta-feira, maio 20, 2004

Nova Esquizofrenia Contemporânea - LINGUISTAS

Imaginem que dividisse a palavra amor em morfemas. A cada um lhes daria novas significações. Reparem como a palavra já irremediavelmente gasta morre e renasce como um signo puramente fechado num mundo paralelo. Um morto vivo linguístico. Ao morfema r corresponderá vos, ao morfema o um hífen. Digo que ao morfema restante corresponderá a forma verbal flexionada fodei. Não, queiram desculpar, senhores, mas não há motivo para ofensas nem há causa para qualquer alarme. É algo de meramente linguístico. Sentai-vos linguisticamente, por Saussure!, e reparem como faço dançar esse novo aborto semântico: amor amor amor amor. O mesmo seria dizer-se: fodei-vos fodei-vos fodei-vos fodei-vos. Interessante, não? É um pequeno novo facto de linguagem. Muito pequenino, concedo-vos. Mas talvez as maiores revoluções nunca sejam muito grandes, meus senhores.

(...)
Amor [Fodei-vos], [inserir o nome da pessoa amada]!
É amor [fodei-vos] o que vos digo em mui grã coita minha!
Pois que amor [fodei-vos] é sentimento fidalgo!
Eu, sôfrego, que vos canto – amor [fodei-vos]!
(...)

(variante de protótipo de Cancioneiro do séc. XIV - fragmento)


Reparem como a tradição se rescreve metalinguisticamente. Uma palavra moribunda arrastada pelos séculos fora pode sempre renascer, como a fénix imemorial.

Meus senhores, e se eu dissesse que a palavra morte significa cabrões? Imaginem os efeitos retroactivos. Pensem agora em todo o Romantismo Europeu, em todo aquele sofrimento inútil – como se torna em algo dinâmico. Não se trata meramente de manipular os mortos pela História fora, não é esse o caso. Não. É antes chamar-lhes de cabrões.

Concordo com os senhores, talvez seja simplesmente um terrível mau gosto.

Amor Morte! – Fodei-vos Cabrões!

Mas concordem comigo nisto, por favor: concordem que a língua morreu. Eu próprio desespero em busca daquele sopro próprio e individual com que dissecar solitariamente o meu cérebro. Por vezes, a lentidão dos séculos entranha-se-me talmente que tudo se reduz a um único grito pelo meio da poeira. Pelas veredas mais recônditas, parte do meu ser grunhe – mas a tradição é maquinal, não se impressiona com casinhotas de lama e pés de porco segurando estiletes. Não será com um transplante bovino que se salvará o cérebro do Poeta no novo século.

Fodei-vos Cabrões!

Mau gosto, senhores. Terrível mau gosto.


Bruno Ribeiro de Almeida

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