sexta-feira, fevereiro 03, 2006

As intersecções das descontinuidades - a falibilidade da comparação

Há um lugar nebuloso, atómico, onde as intersecções das descontinuidades dar-se-ão. Esse lugar não será um lugar e a sua substância não será mais do que a estrutura da ambiguidade, a relação com o intocável. Nesse perímetro de possibilidades, acontece o encontro das leituras. É aí que um mundo microscópico se autonomiza e se revela com muito dificuldade, ou melhor, com a sagacidade da persistência.
Com isto pretendo obter uma imagem do processo de encontro de duas obras ou de duas leituras, entendidas como se fossem várias rectas, como se fossem continuidades que se querem intersectadas. Essas continuidades possuem espaços vazios, descontínuos, e é nesses espaços vazios que ocorre a vizinhança, a adivinhação da proximidade. O lugar que não é lugar, pois trata de tempo e de modo, pode significar não a habitual característica ambivalente da correspondência entre autores – feita de reproduções, de simulacros em diapositivo – mas, antes, a interpretação apreendida nos negativos da matéria. É que não só de visibilidade se faz o comum, nem tão pouco se consegue deduzir com clareza e precisão suficientes esse tal espaço de semelhanças. Daí perder sempre o intuito de objectividade, aquele que tentar sumas aproximações ao evidente.


[a propósito do paralelismo das obras e suas leituras - Rorty e Orwell]
cf. Contingência, Ironia e Solidariedade, Richard Rorty (1989), capítulo 8, essencialmente.


Álvaro Seiça Neves